domingo, 28 de agosto de 2011

A "Máscara de todos nós...

Não se deixe enganar por mim.
Não se engane com a máscara que eu uso. Pois uso mil máscaras, que tenho medo de tirar, e nenhuma sou eu.
Fingir é uma arte que se tornou uma segunda natureza para mim, mas não se engane.
Eu dou a impressão de que sou seguro, de que tudo está bem e em paz comigo, que meu nome é confiança e tranqüilidade é meu lema, que as águas estão calmas e que estou no comando sem precisar de ninguém.
Mas não acredite nisso tudo, por favor...
A minha aparência é tranqüila, mas é apenas uma aparência. É uma máscara superficial, máscara que sempre varia e esconde.
Por baixo não há tranqüilidade, complacência ou calma. Por baixo está o meu real, em confusão, medo e abandono.
Mas eu oculto tudo isso, pois eu não quero que ninguém veja.
Fico em pânico ante a possibilidade de que minha fraqueza fique exposta, e é por isso que eu crio máscaras atrás das quais eu me escondo, com a fachada de quem não se deixa tocar, para me ocultar do olhar que sabe. Mas esse olhar é justamente a minha salvação. Minha única salvação e eu sei disto.
É a única coisa que pode me libertar de mim mesmo, dos muros da prisão que eu mesmo levantei, das barreiras que eu mesmo, tão dolorosamente, construo.
Mas eu não digo nada disso a você. Não ouso. Tenho medo.
Tenho medo que seu olhar não seja acompanhado de amor e aceitação.
Tenho medo que você me menospreze, que você ria de mim, me ferindo.
Tenho medo de que, lá dentro, no interior de mim mesmo, eu não valha nada; de que você acabe vendo e me rejeitando.
Então continuo a viver meus jogos, meus jogos de fingimento, com a fachada de segurança por fora e sendo uma criança tremendo por dentro.
Com um desfile de máscaras, todas vazias, minha vida se torna um campo de batalha.
Eu converso com você uma conversa inútil e superficial. Digo a você tudo que não tem a menor importância e calo o que arde dentro de mim. De forma que não se deixe enganar por essa rotina.
Por favor, escute atentamente e tente ouvir o que eu não estou dizendo e que eu gostaria de dizer, o que eu preciso, mas não sou capaz de dizer.
Eu não gosto de me esconder, honestamente não gosto.
Eu, tampouco, gosto dos jogos tolos e superficiais que faço.Eu gostaria mesmo era de ser ingênuo, espontâneo, eu mesmo, e você tem que me ajudar.
Você tem que me ajudar, segurando minha mão, mesmo quando esta seja a última coisa que eu aparente necessitar.
Cada vez que você é atencioso e encorajador, cada vez que você tenta compreender, procurando me ajudar, um par de asas nasce no meu coração. Asas pequenas e frágeis, mas asas.
Com sua sensibilidade, afeto e compreensão eu me torno capaz. Você me transmite vida.
Não vai ser fácil para você.
A idéia de que eu não valho nada vem de muito tempo e criou muros fortes. Mas o amor é mais forte que os muros.
Com mãos fortes, mas gentis, me ampare. Pois uma criança é muito sensível e eu sou uma criança.
E agora você poderia perguntar. Quem sou eu?
Eu sou uma pessoa que você conhece muito bem, porque eu sou todo homem, toda mulher, toda criança... todo ser humano que você encontra.
Sou, inclusive, você...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A Vaidade e o Vernáculo


"A vaidade se revela nos despreparados, no desconhecimento do próprio   vernáculo ou da língua mãe"
É de boa memória o caso do Juiz de Direito que, profundamente ofendido por ter sido chamado de “você” pelo porteiro do condomínio onde mora, entrou com ação no Fórum de Niteroi contra o condomínio pedindo, entre outras coisas, indenização por danos morais de cem salários mínimos.
O caso foi finalmente julgado e segue abaixo a sentença:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. COMARCA DE NITERÓI - NONA VARA CÍVEL. Processo n° 2005.002.003424- 4.

S E N T E N Ç A
Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de "senhor".
Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de "Doutor", "senhor", "Doutora", "senhora", sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos.
(…)
DECIDO. 
"O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem, ou de um direito que se gostaria de ter ." (Noberto Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg.15).
Trata-se o autor da ação de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo . Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz, tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente a mesma dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.
Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude . Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida.
"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário . Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas como "doutor", sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra - que se trata de título conferido por uma universidade, à guisa de homenagem, a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que "professor" e "mestre", são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado.
Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir.
O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social.
O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe "semi-culta" , que sequer se importa com isso. Na verdade "você" é variante - contração da alocução - do tratamento respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome "você", devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal.
Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/a senhora, e você, quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente.
Na edição promovida por Jorge Amado, "Crônica de Viver do Baiano Seiscentista" , nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999).
Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes.
Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil, de várias influências regionais.
Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade .
Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
P.R.I.
ALEXANDRE EDUARDO SCISINO
Juiz de  Direito