domingo, 24 de junho de 2012

A tempestade


O Pássaro e o homem tem essências diferentes. O homem vive à sombra de leis e tradições por ele inventadas; o pássaro vive segundo a lei universal que faz girar os mundos. 
Acreditar é uma coisa; viver conforme o que se acredita é outra. 
Muitos falam como o mar, mas vivem como os pântanos. 
Muitos levantam a cabeça acima dos montes; mas sua alma jaz nas trevas das cavernas. 
A civilização é uma arvore idosa e carcomida, cujas flores são a cobiça e o engano e cujas frutas são a infelicidade e o desassossego. 
Deus criou os corpos para serem os templos das almas. Devemos cuidar desses templos para que sejam dignos da divindade que neles mora. 
Procurei a solidão para fugir dos homens, de suas leis, de suas tradições e de seu barulho. Os endinheirados pensam que o sol e a lua e as estrelas se levantam dos seus cofres e se deitam nos seus bolsos. 
Os políticos enchem os olhos dos povos com poeira dourada e seus ouvidos com falsas promessas. 
Os sacerdotes aconselham os outros, mas não aconselham a si mesmos, e exigem dos outros o que não exigem de si mesmos. 
Vã é a civilização. E tudo o que está nela é vão. 
As descobertas e invenções nada são senão brinquedos com que a mente se diverte no seu tédio. 
Cortar as distâncias, nivelar as montanhas, vencer os mares, tudo isso não passa de aparências enganadoras, que não alimentam o coração e nem elevam a alma. 
Quanto a esses quebra-cabeças, chamados ciências e artes, nada são senão cadeias douradas com os quais o homem se acorrenta, deslumbrados com seu brilho e tilintar. 
São os fios da tela que o homem tece desde o inicio do tempo sem saber que, quando
terminar sua obra, terá construído a prisão dentro da qual ficará preso.
Uma coisa só merece nosso amor e nossa dedicação, uma coisa só... É o despertar de algo no fundo dos fundos da alma. 
Quem o sente não o pode expressar em palavras. E quem não o sente, não poderá nunca conhecê-lo através de palavras. 
Faço votos para que aprendas a amar as tempestades em vez de fugir delas.
[Gibran Khalil Gibran]

domingo, 3 de junho de 2012

O homem que nunca se irritava

Em uma cidade interiorana havia um homem que não se irritava e não discutia com ninguém. Sempre encontrava saída cordial, não feria a ninguém, nem se aborrecia com as pessoas. Morava em modesta pensão, onde era admirado e querido.

Para testá-lo, um dia seus companheiros combinaram levá-lo à irritação e à discussão numa determinada noite em que o levariam a um jantar. Trataram todos os detalhes com a garçonete que seria a responsável por atender a mesa reservada para a ocasião. Assim que iniciou o jantar, como entrada foi servida uma saborosa sopa, da qual o homem gostava muito.

A garçonete chegou próximo a ele, pela esquerda, e ele, prontamente, levou seu prato para aquele lado, a fim de facilitar a tarefa de servir. Mas ela serviu todos os demais, e quando chegou a vez dele, foi para outra mesa. Ele esperou calmamente e em silêncio, que ela voltasse. Quando ela se aproximou outra vez, agora pela direita, ele levou outra vez seu prato na direção da jovem, que novamente se distanciou, ignorando-o.

Após terminar de servir, passou rente a ele, acintosamente, com a sopeira fumegante, exalando saboroso aroma como quem havia concluído a tarefa e retornou à cozinha. Naquele momento não se ouvia qualquer ruído. Todos o observavam discretamente, para ver sua reação. Educadamente ele chamou a garçonete, que se voltou, fingindo impaciência e lhe disse:

-o que o senhor deseja?

Ao que ele respondeu, naturalmente:

-a senhora não me serviu a sopa.

Novamente ela retrucou, para provocá-lo, desmentindo-o:

-servi, sim senhor!

Ele olhou para ela, olhou para o prato vazio e limpo e ficou pensativo por alguns segundos... Todos pensaram que ele iria brigar... Suspense e silêncio total. Mas o homem surpreendeu a todos, ponderando tranqüilamente:

-a senhorita serviu sim, mas eu aceito um pouco mais!

Os amigos, frustrados por não conseguir fazê-lo discutir e se irritar com a moça, terminaram o jantar, convencidos de que nada faria com que aquele homem perdesse a compostura.

Autor Desconhecido