sexta-feira, 19 de abril de 2019

A Pedra que não queria ser trabalhada


Acordei, e era Meio Dia. Tinha de cumprir a minha primeira missão, o meu primeiro trabalho, enfim, a minha Primeira Prancha. Mãos à Obra. 
E que missão a minha!... nada mais nada menos que trabalhar uma Pedra. Vamos a isso. 

Campo fora, no meio de calhaus, tropeço aqui... reviro além, e eis que descubro, maravilha das maravilhas, uma bela pedra que pela sua forma, dimensão e textura, facilmente me permitirá executar um bom trabalho... sem trabalho nenhum! 

Um pequeno toque de cinzel...e (!?)... Não é possível !!! a Pedra desviou-se!?... e agora ela FALA!... 

(A Pedra) - Diz-me Aprendiz, porque me escolheste para objeto do teu Primeiro Trabalho? Será que a minha forma te apraz como sentido material do caminho que decidiste encetar, ou haverá algo de excitante na minha textura que te impede de imaginar que outras Pedras existem? 

(O Aprendiz) - Estou espantado, nunca imaginei que uma Pedra falasse, os Mestres a quem devo obediência não me indicaram que pedra escolher para trabalhar... eu escolho-te pela tua forma quase perfeita, pelas tuas arestas quase esquadriadas, talvez pela tua presença destacada neste campo de calhaus disformes,... sei lá, por tudo isso! 

(A Pedra) - Sim, estou vendo. Pensaste tu então, pobre Aprendiz de Pedreiro, que com um mínimo de esforço realizarias um bom trabalho!? Já te passou, por acaso, pela cabeça que poderão existir Pedras que não necessitam, ou simplesmente não querem ser trabalhadas? Já imaginaste que no difícil caminho que tens pela tua frente, terás sempre que escolher as pedras mais difíceis de trabalhar, as mais necessitadas da tua atenção, do teu respeito, da tua arte de transformar sonhos em realidades, formas brutas em artefatos dignos de um Criador,... enfim, dignos do Homem? Pensa no quanto as pedras que te rodeiam necessitam de ti, tenta dar o teu melhor sem exigir nada da pedra que trabalhas, tenta fazer dela uma obra digna de ti e dos teus Mestres, o teu trabalho bem executado será o teu prémio, e assim talvez um dia sejas um Pedreiro. 

(Aprendiz) - Pedra, não sei o que te dizer, sou um pobre aprendiz que muito tem que aprender, sei apenas que, hoje e aqui contigo, recebi a primeira lição: Deverei sempre trabalhar a pedra que mais necessita, desde que ela queira! Agora preciso ir, pois é quase Meia-noite... Adeus pedra, agradeço-te a lição! 

(A Pedra) - Espera Aprendiz, faz-me um pequeno favor, vira a minha face polida um pouco mais para Oriente,... assim,... já está bem! Ah, agora retira de debaixo de mim, essa pequena pedra cinzenta... sim essa mesmo, que eu esmago sem querer há milhares de anos. Leva-a contigo, não tentes trabalhá-la; tenta apenas compreendê-la, o que já será uma tarefa quase impossível. Adeus Aprendiz 

(O Aprendiz)- Adeus pedra!

Cond. Internet

domingo, 14 de abril de 2019

Os Monges Maçons


Em 1786, bem dentro da Abadia de Clairvaux, localizada em Aube foi constituída uma Loja de 13 Irmãos Cistercienses, sob os auspícios do Grande Oriente de França. Que um grupo de clérigos pudesse montar uma Loja Maçónica pode, à primeira vista, parecer estranho quando sabemos da animosidade que existia entre o Catolicismo e a Maçonaria. Mas isso seria esquecer muito rapidamente a História…

Esta situação não é de facto excepcional nesse final do século XVIII, quando as bulas papais ainda não tinham esvaziado as lojas dos servos de Deus. Ela revela não uma fratura doutrinária ou ideológica, como muitas vezes é afirmado hoje, mas sim uma verdadeira convergência de ideias. Pouco antes da Revolução, a maior parte das lojas francesas praticava uma Maçonaria exclusivamente orientada para o aperfeiçoamento do homem através do trabalho, e cuja base repousava sobre as três virtudes teologais que são a Fé, a Esperança e a Caridade. Somente a Maçonaria do tipo anglo-saxão continua hoje a manter esse ternário como um pilar fundamental da metodologia maçónica.

Extrato da correspondência endereçada ao Grande Oriente da França, pelos monges cistercienses:

Ao Or de Clairvaux, lugar muito forte e iluminado onde reina a Igualdade, a Paz, a União, o Silêncio e a Amizade, no quarto dia do segundo mês do ano da V L 5785,

Ao Mui Respeitável, Sapientíssimo, Esclarecido e único legítimo G Or de França

Nós estávamos na escuridão da irregularidade; para sair, nós nos dirigimos à R L Union de la Sincérité no Or de Troyes, para que ela nos forneça através dos seus raios luminosos os meios para alcançar o caminho que conduz à via do augusto centro tribunal dos verdadeiros maçons; por conseguinte, no quinto dia de Abril no ano da V L 5785, traçámos uma prancha que endereçamos a essa R L para convidar os IIr que a compõem a visitar os nossos trabalhos e nos indicar a qualidade dos materiais necessários a empregar para fundar o templo que queremos erigir. Esses RR IIr tendo-nos feito esse favor e impactados pelo brilho deste primeiro raio de verdadeira Luz, inspiraram-nos ainda mais o desejo de nos submetermos às Leis e regulamentos do vosso ilustre Areópago; já submetidos de coração e afeto às leis da sabedoria e virtude, aspiramos a felicidade de nos comprometer por um juramento irrevogável; podeis vós, Mui RR IIr considerar-nos dignos desse favor, podeis perdoar a irregularidade do nossos primeiros trabalhos, podeis vós, saciando os nossos votos, completar a nossa felicidade; nós vos exortamos a que se dignem de nos conceder os seus santos votos, dignai-vos aceitar as homenagens da nossa submissão aos seus respeitáveis decretos e constituições que emanam do seu augusto tribunal, dignai-vos de nos agregar aos verdadeiros maçons.

Nós vos pedimos para confirmar o título da Loja Vertu; este não é um título desprovido de realidade, nós o gravámos nos nossos corações e os nossos trabalhos estão sob garantia; ousamos esperar que favoráveis aos nossos desejos, vós possais aceitar como nosso Deputado junto ao vosso tribunal o Mui Q Ir Jean Eustache Peuvert, funcionário do Parlamento em Cais d’Orleans, confiantes de que teremos nele um sólido apoio; se puderem na sua sabedoria considerar os nossos desejos …

Muitos comentaristas viram no nascimento, mas também na vida tumultuada e efémera desta Loja, apenas os conflitos entre visão secular da Maçonaria e a visão secular da religião, a origem daquilo que foi em França um verdadeiro trauma espiritual.

Eles esquecem-se de enfatizar que as Ordens monásticas são dentro da Igreja Católica bem mais do que apenas ordens religiosas. Elas são uma Ordem dentro da Ordem, porque elas derivam a sua identidade numa história muito mais profunda e mais antiga que a sua assimilação pela Igreja de Roma. Elas eram desde tempos imemoriais, os atores operativos e económicos dos seus territórios, um pouco como também o eram as corporações de construtores antes do advento da Maçonaria.

A busca pelas virtudes teologais foi por muito tempo e quase até a recente generalização do Rito Escocês Antigo e Aceito e do Rito Francês (moderno) pela Maçonaria continental, o primeiro objecto da busca maçónica. Apenas o nome e o “logotipo” de certas Lojas atuais lembram essa realidade esquecida.

Portanto, não é surpreendente descobrir que trabalhadores apaixonados pela espiritualidade pudessem tentar completar a sua busca por outros meios que não fossem uma religião dogmática, para emancipar as virtudes essenciais da Escada de Jacob que conduz aos mesmos sonhos da maçonaria, menos religiosos de hoje: a paz e a emancipação social.

Pierre Inverni-José Filardo 
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