domingo, 25 de julho de 2010

Seja Feliz

Você pode ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não se esqueça de que sua vida é a maior empresa do mundo. Só você pode evitar que ela vá a falência.
Há muitas pessoas que precisam, admiram e torcem por você.
Gostaria que você sempre se lembrasse de que ser feliz não é ter um céu sem tempestades, caminhos sem acidentes, trabalhos sem fadigas, relacionamentos sem decepções.
Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros.
Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas refletir sobre a tristeza.
Não é apenas comemorar o sucesso, mas aprender lições nos fracassos.
Não é apenas ter júbilo nos aplausos, mas encontrar alegria no anonimato.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista de quem sabe viajar para dentro do seu próprio ser.
Ser feliz é deixar de ser vitima dos problemas e se tornar um autor da própria historia.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer ao Grande Arquiteto a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um “Não”.
É ter segurança para receber uma critica, mesmo que injusta.
É beijar os filhos, curtir os pais e ter momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles nos magoem.
Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós.
É ter maturidade para falar “Eu errei”.
É ter ousadia para dizer “Me perdoe”
É ter sensibilidade para expressar “Eu preciso de você”
É ter capacidade de dizer “Eu te amo”
Desejo que a vida se torne um canteiro de oportunidades para você ser feliz...
Que nas suas primaveras você seja amante da alegria.
Que nos seus invernos você seja amigo da sabedoria.
E, quando você errar o caminho, recomece tudo de novo.
Pois assim você será cada vez mais apaixonado pela vida.
E descobrirá que...
Ser feliz não é ter uma vida perfeita.
Mas usar as lagrimas para irrigar a tolerância.
Usar as perdas para refinar a paciência.
Usar as falhas para esculpir a serenidade.
Usar a dor para lapidar o prazer.
Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.
Jamais desista de si mesmo.
Jamais desista das pessoas que você ama.
Jamais desista de ser feliz.
Pois a vida é um espetáculo imperdível.
E você é um ser humano especial!
(Autor desconhecido)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Para você estar passando adiante

Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando e possa estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da comunicação moderna, o gerundismo.

Você pode também estar passando por fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando pela Internet. O importante é estar garantindo que a pessoa em questão vá estar recebendo esta mensagem, de modo que ela possa estar lendo e, quem sabe, consiga até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que ela costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de quem precisa estar escutando.

Sinta-se livre para estar fazendo tantas cópias quantas você vá estar achando necessárias, de modo a estar atingindo o maior número de pessoas infectadas por esta epidemia de transmissão oral.

Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha nas pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo.

Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos interlocutores que, sim!, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito.

Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases assim o dia inteirinho. Sinceramente: nossa paciência está estando a ponto de estar estourando. O próximo "Eu vou estar transferindo a sua ligação" que eu vá estar ouvindo pode estar provocando alguma reação violenta da minha parte. Eu não vou estar me responsabilizando pelos meus atos. As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito conseguiu estar entrando na linguagem do dia-a-dia.

Tudo começou a estar acontecendo quando alguém precisou estar traduzindo manuais de atendimento por telemarketing. Daí a estar pensando que "We'll be sending it tomorrow" possa estar tendo o mesmo significado que "Nós vamos estar mandando isso amanhã" acabou por estar sendo só um passo.

Pouco a pouco a coisa deixou de estar acontecendo apenas no âmbito dos atendentes de telemarketing para estar ganhando os escritórios. Todo mundo passou a estar marcando reuniões, a estar considerando pedidos e a estar retornando ligações.

A gravidade da situação só começou a estar se evidenciando quando o diálogo mais coloquial demonstrou estar sendo invadido inapelavelmente pelo gerundismo.

A primeira pessoa que inventou de estar falando "Eu vou tá pensando no seu caso" sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa infelicidade lingüística estar se instalando nas ruas e estar entrando em nossas vidas.

Você certamente já deve ter estado estando a estar ouvindo coisas como "O que cê vai tá fazendo domingo?", ou "Quando que cê vai tá viajando pra praia?", ou "Me espera, que eu vou tá te ligando assim que eu chegar em casa".

Deus. O que a gente pode tá fazendo pra que as pessoas tejam entendendo o que esse negócio pode tá provocando no cérebro das novas gerações?

A única solução vai estar sendo submeter o gerundismo à mesma campanha de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus coleguinhas contagiosos, como o "a nível de", o "enquanto", o "pra se ter uma idéia" e outros menos votados.

A nível de linguagem, enquanto pessoa, o que você acha de tá insistindo em tá falando desse jeito? "
Ricardo Freire

Discurso de Gonçalves Ledo ao Principe D.Pedro


Discurso de Joaquim Gonçalves Ledo dirigido ao hesitante Príncipe D. Pedro I  Em Agosto de 1822 na Loja Maçônica “Comércio e Artes" - Or:. do Rio De Janeiro

Senhor! A natureza, a razão e a humanidade, este feixe indissolúvel e sagrado, que nenhuma força humana pode quebrar, gravaram no coração do homem uma propensão irresistível para, por todos os meios e com todas as forças em todas as épocas e em todos os lugares, buscarem ou melhorarem o seu bem estar.
 
Este principio tão santo como a sua origem, e de centuplicada força quando aplicado as nações, era de sobra para o Brasil, esta porção preciosa do globo habitado, não acedesse a inerte expectação de sua futura sorte, tal qual fosse decretada longe de seus lugares e no meio de uma potência (Portugal) que deveria reconhecer inimiga de sua glória, zelosa de sua grandeza, e que bastante deixava ver pelo seu manifesto às nações que queria firmar a sua ressurreição política sobre a morte do nascente Império Luso-Brasileiro, pois baseava as razões de sua decadência sobre a elevação gloriosa deste filho da América – o Brasil. 

Se a esta tão óbvia e justa consideração quisesse juntar a sua dolorosa experiência de trezentos e oito anos, em que o Brasil só existira para Portugal para pagar tributos, que motivos não encontraria na cadeia tenebrosa de seus males para chamar a atenção e vigilância de todos os seus filhos a usar da soberania que lhe compete, e dos mesmo direitos de que usara Portugal e por si mesmo tratar de sua existência e representação política, da sua prosperidade e da sua constituição? Sim, o Brasil podia dizer a Portugal: “Desde que o sol abriu o seu túmulo e dele me fez saltar para apresentar-se ao ditoso Cabral a minha fertilidade, a minha riqueza, a minha prosperidade, tudo te sacrifiquei, tudo te dei, e tu que me deste? 

Escravidão e só escravidão. Cavavam o seio das montanhas, penetravam o centro do meu solo para te mandarem o ouro, com que pagavas as nações estrangeiras a tua conservação e as obras com que decoras a tua majestosa capital; e tu quando a sôfrega ambição devorou os tesouros, que sob mão se achavam nos meus terrenos, quisestes impor-me o mais odioso dos tributos, a “capitação”. 

Mudavam o curso dos meus caudolosso rios para arrancarem de seus leitos os diamantes que brilham na coroa do monarca; despiam as minhas florestas para enriquecerem a tua grandeza, que todavia deixava cair das enfraquecidas mãos ... E tu que deste? Opressão e vilipêndio! 

Mandavas queimar os filatórios e teares, onde minha nascente indústria beneficiava o algodão para vestir os meus filhos; negavas-me a luz das ciências para que não pudesse conhecer os meus direitos nem figurar entre os povos cultos; acanhavas a minha indústria para me conservares na mais triste dependência da tua; desejavas até diminuir as fontes da minha natural grandeza e não querias que eu conhecesse o Universo senão o pequeno terreno que tu ocupas. 

Eu acolhi no meu seio os teus filhos a que doirava a existência e tu me mandavas em paga tiranos indomáveis que me laceravam. Agora é tempo de reempossar-me de minha Liberdade; basta de oferecer-me em sacrifício as tuas interessadas vistas. Assaz te conheci, demasiando te servi... – os povos não são propriedade de ninguém. 

Talvez o Congresso de Lisboa no devaneio de sua fúria ( e será uma nova inconseqüência) dê o nome rebelião ao passo heróico das províncias do Brasil a reassunção de sua soberania desprezada; mas se o fizer, deverá primeiro declarar rebelde a Razão, que prescreve aos homens não se deixarem esmagar pelos outros homens, deverá declarar rebelde a Natureza, que ensinou aos filhos a separarem-se dos seus pais, quando tocam a época de sua virilidade; é mister declarar rebelde a Justiça, que não autoriza usurpação, nem perfídias; é mister declarar rebelde o próprio Portugal, que encetou a macha de sua monarquia, separando-se de Castela; é mister declarar-se rebelde a si mesmo (esse Congresso), porque se a força irresistível das coisas prometia a futura desunião dos dois Reinos os seus procedimentos aceleraram esta época, sem dúvida fatal para outra parte da nação que se queira engrandecer. 

O Brasil, elevado à categoria de Reino, reconhecido por todas as potencias e com todas as formalidades que fazem o direito público na Europa, tem inquestionavelmente jus a reempossar-se da porção de soberania que lhe compete, porque o estabelecimento da ordem constitucional é negócio privativo de cada povo. 

A independência, Senhor, no sentido dos mais abalizados políticos, é inata nas colônias, como a separação das famílias o é na Humanidade. A natureza não formou satélites maiores que os seus planetas. 

A América deve pertencer à América, e Europa à Europa, porque não debalde o Grande Arquiteto do Universo meteu entre elas o espaço imenso que as separa. 

O momento para estabelecer-se um perdurável sistema, e ligar todas as partes do nosso grande todo, é este... 

O Brasil, no meio das nações independentes, e que falam com exemplo de felicidade, não pode conservar-se colonialmente sujeito a uma nação remota e pequena, sem forças para defendê-lo e ainda para conquistá-lo. 

As nações do Universo têm os olhos sobre nós, brasileiros, e sobre ti, Príncipe ! Cumpre aparecer entre elas como rebeldes ou como homens livres e dignos de o ser. 

Tu já conheces os bens e os males que te esperam e à tua posteridade. 

Queres ou não queres Resolve, Senhor!

Discurso Sobre a Dignidade do Homem


Nos escritos dos árabes li, venerandos Pais, que Abdalla Sarraceno, quando lhe perguntaram sobre o que lhe parecia sumamente admirável nesta espécie de teatro que é o mundo, respondeu que nada via de mais esplêndido do que o homem. E com este dito concorda o famoso  Hermes: “Grande milagre é o homem, Asclépio!”. (1)

            Ora, enquanto eu procurava o sentido destas sentenças, não me satisfaziam os argumentos que em grande número muitos aduzem sobre a grandeza da natureza humana: ser o homem vínculo das criaturas, familiar às superiores,soberano das inferiores, intérprete da natureza pela agudez dos sentidos, pela pesquisa da razão, pela luz do intelecto, intermediário entre o tempo e a eternidade e, como dizem os persas, cópula Himeneu(2) do mundo, pouco inferior aos anjos segundo o testemunho de Davi.(3)  Grandes coisas estas, sem dúvida, mas não as mais importantes, não tais, isto é, por meio das quais possa justamente arrogar-se o privilégio de uma admiração sem limites. Por que, com efeito, não admirar mais os anjos e os beatíssimos coros do céu?

            Todavia, no fim parece-me ter compreendido por que o homem seja o mais feliz dos seres animados e, por isso, digno de toda admiração e qual seja por fim aquele destino que, tocando-lhe na ordem universal, é invejável não só aos brutos, mas aos astros e aos espíritos ultra mundanos. Coisa incrível e maravilhosa! E como poderia ser diferente, se é justamente por ela que o homem é proclamado e considerado um grande milagre e maravilha entre os viventes?

            Mas qual seria ela, escutai, ó Pais, e dai benignamente ouvidos, em vossa cortesia, a este meu falar. Já o sumo Pai, Deus criador, tinha formado, conforme as leis de uma arcana sabedoria, esta moradia do mundo, tal qual nos aparece, templo augustíssimo da divindade. Havia embelezado com as inteligências o hiperurânio, avivado de almas eternas os globos etéreos, tinha povoado com uma turba de animais de toda espécie as partes vis e torpes do mundo inferior. Contudo, levando a obra à realização, o artífice desejava que aí houvesse alguém capaz de captar a razão de tão grande obra, de amar sua beleza, de admirar sua imensidade. Por isso, tendo já realizado o todo, como atestam Moisés(4) e Timeu(5), por último pensou em produzir o homem. Mas, dos arquétipos não restava nenhum sobre o qual modelar a nova criatura, nem dos tesouros um para entregar como herança ao novo filho, nem dos lugares de todo o mundo permanecia um sobre o qual se sentasse este contemplador do universo. Todos já estavam ocupados; todos haviam sido distribuídos, nos sumos, nos meios, nos ínfimos graus.

            Todavia, não teria sido digno do paterno poder tornar-se como que impotente na última obra; nem de sua sabedoria permanecer incerta na necessidade por falta de conselho; nem de seu benéfico amor, que aquele que era destinado a louvar nos outros a divina liberalidade fosse constrangido a reprová-la em si mesmo.

              Estabeleceu finalmente o ótimo artífice que, àquele ao qual nada podia dar de próprio, fosse comum a tudo aquilo que singularmente tinha atribuído aos outros. Acolheu por isso o homem como obra de natureza indefinida e, colocando-o no coração do mundo, assim lhe falou: 

“Não te dei, Adão, nem um lugar determinado, nem um aspecto teu próprio, nem qualquer prerrogativa tua, porque o lugar, o aspecto, as prerrogativas que desejares, tudo enfim, conforme teu voto e teu parecer, obtenhas e conserves. A natureza determinada dos outros está contida dentro de leis por mim prescritas. Tu determinarás a tua, não constrangido por nenhuma barreira, conforme teu arbítrio, a cujo poder te entregarás. Eu te coloquei no meio do mundo, para que daí melhor avistasses tudo aquilo que existe no mundo. Não te fiz nem celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, para que, por ti mesmo, como livre e soberano artífice, tu te modelasses e te esculpisses na forma que tivesses de antemão escolhido. Poderás degenerar nas coisas inferiores, que são os brutos; poderás regenerar-te, conforme tua vontade, nas coisas superiores que são divinas”.

              Ó suprema liberalidade de Deus pai! Ó suprema e admirável felicidade do homem, ao qual é concedido obter aquilo que deseja, ser aquilo que quer. Os brutos, ao nascerem, trazem consigo do seio materno, como diz Lucilio,(6) tudo aquilo que terão. Os espíritos superiores ou desde o início ou pouco depois tornaram-se aquilo que serão pelos séculos dos séculos. No homem que nasce o Pai colocou sementes de toda espécie e germes de toda vida. E, conforme cada um as cultivar, elas crescerão e nele darão seus frutos. E, se forem vegetais, será planta; se sensíveis, será animal; se racionais, tornar-se-á animal celeste; se intelectuais, será anjo e filho de Deus. Todavia, se, não contente com a sorte de nenhuma criatura, se recolher no centro de sua unidade, tornado um só espírito com Deus, na solitária escuridão do Pai, aquele que foi colocado sobre todas as coisas estará sobre todas as coisas.
Giovanni Pico della Mirandola

 1-Asclépio, em Corpus Hermeticum, vol. II.
2-Himeneu, ou Himene, era o deus grego das núpcias.
3-Salmo 8,5-6.
5-Platão, Timeu
6-Lucilio, átiras, 623 edição Marx.

10 Estratégias de Manipulação do Povo Através da Midia

1ª- Estratégia Da Distração
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. "Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais" (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas').

2ª- Criar Problemas, Depois Oferecer Soluções
Este método também é chamado "problema-reação-solução". Cria-se um problema, uma "situação" prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3ª- Estratégia Da Gradação
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que  haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4ª- Estratégia Do Deferido
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo "dolorosa e necessária", obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que "tudo irá melhorar amanhã" e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5ª-Dirigir-se Ao Público Como Crianças De Baixa Idade
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade.

6ª- Utilizar O Aspecto Emocional Muito Mais Do Que A Reflexão
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos.

7ª- Manter O Público Na Ignorância E Na Mediocridade
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores e às classes sociais superiores seja e  permaneça impossível para o alcance das classes inferiores.

8ª- Estimular O Público  Ser Complacente Na Mediocridade
Promover ao público a achar que é moda o fato de ser  estúpido, vulgar e inculto.

9ª- Reforçar A Revolta Pela Autoculpabilidade
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10ª- Conhecer Melhor Os Indivíduos Do Que Eles Mesmos Se Conhecem
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o "sistema" tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.
Prof. Avram Noam Chomsky

Quero Voltar a Confiar


Fui criado com princípios morais comuns: Quando eu era pequeno, mães, pais, professores, avós, tios, vizinhos, eram autoridades dignas de respeito e consideração. Quanto mais próximos ou mais velhos, mais afeto. Inimaginável responder de forma mal educada aos mais velhos, professores ou autoridades… Confiávamos nos adultos porque todos eram pais, mães ou familiares das crianças da nossa rua, do bairro, ou da cidade… 

Tínhamos medo apenas do escuro, dos sapos, dos filmes de terror… Hoje me deu uma tristeza infinita por tudo aquilo que perdemos. Por tudo o que meus netos um dia enfrentarão. Pelo medo no olhar das crianças, dos jovens, dos velhos e dos adultos. 

Direitos humanos para criminosos, deveres ilimitados para cidadãos honestos. Não levar vantagem em tudo significa ser idiota. Pagar dívidas em dia é ser tonto… Anistia para corruptos e sonegadores… O que aconteceu conosco? Professores maltratados nas salas de aula, comerciantes ameaçados por traficantes, grades em nossas janelas e portas. Que valores são esses? 

Automóveis que valem mais que abraços, filhas querendo uma cirurgia como presente por passar de ano. Celulares nas mochilas de crianças. O que vais querer em troca de um abraço? A diversão vale mais que um diploma. Uma tela gigante vale mais que uma boa conversa. Mais vale uma maquiagem que um sorvete. Mais vale parecer do que ser… Quando foi que tudo desapareceu ou se tornou ridículo?

Quero arrancar as grades da minha janela para poder tocar as flores! Quero me sentar na varanda e dormir com a porta aberta nas noites de verão! Quero a honestidade como motivo de orgulho. Quero a vergonha na cara e a solidariedade. Quero a retidão de caráter, a cara limpa e o olhar olho-no-olho. Quero a esperança, a alegria, a confiança! Quero calar a boca de quem diz: “temos que estar ao nível de…”, ao falar de uma pessoa. Abaixo o “TER”, viva o “SER”. E viva o retorno da verdadeira vida, simples como a chuva, limpa como um céu de primavera, leve como a brisa da manhã! E definitivamente bela, como cada amanhecer. 

Quero ter de volta o meu mundo simples e comum. Onde existam amor, solidariedade e fraternidade como bases. Vamos voltar a ser “gente”. Construir um mundo melhor, mais justo, mais humano, onde as pessoas respeitem as pessoas. Utopia? Quem sabe?... Precisamos tentar… Quem sabe comecemos a caminhar transmitindo essa mensagem… Nossos filhos merecem e nossos netos certamente nos agradecerão
Arnaldo Jabor

Criador e Criatura

"Que o homem contemple a natureza inteira em sua elevada e plena majestade, que ele afaste a vista dos objetos baixos que o cercam.

 Que ele veja essa brilhante luz acesa como uma lâmpada eterna para iluminar o universo, de modo que a Terra lhe pareça um ponto do vasto trajeto que esse astro descreve, e que se espante com o fato de que esse vasto trajeto não é mais do que uma ponta muito delicada comparada com o trajeto que os astros que giram no céu abraçam.

E se nossa vista se detém aí, que a imaginação a substitua; ela se cansará mais de conceber do que a natureza oferecer. Todo esse mundo visível não é mais que um traço imperceptível no amplo seio da natureza.  Nenhuma idéia dela se aproxima.

Em vão tentamos ampliar nossas concepções para além dos espaços imaginários e não criamos mais que átomos em troca da realidade das coisas. É uma esfera cujo centro está em toda parte e a circunferência em parte alguma. Enfim, é tão grande a feição sensível do poder de Deus, que nossa imaginação se perde nesse pensamento.

Que o homem, voltando-se para si mesmo, considere o que ele é em comparação com o que é; que ele se veja como desgarrado nesse canto desviado da natureza, e que dessa pequena cela onde se encontra alojado, que entendo como o universo, ele aprenda a estimar a terra, os reinos, as cidades e ele mesmo por seu justo valor. Que é um homem no infinito?

Mas, para apresentar-lhe um outro prodígio igualmente espantoso, que ele procure no que conhece as coisas mais delicadas. Que um minúsculo inseto lhe ofereça na pequenez de seu corpo partes incomparavelmente menores, pernas com juntas, veias nessas pernas, sangue nessas veias, humores nesse sangue, gotas nesses humores, vapores nessas gotas. Que, dividindo ainda mais essas ultimas coisas, ele gaste seus esforços em suas concepções, e que o objeto final a que possa chegar seja o de nosso discurso; ele pensará, talvez, que se trata da menor partícula da natureza.

Eu desejo faze-lo ver ali dentro um novo abismo. Desejo que imagine não só o universo visível, mas a imensidade que se pode conceber sobre a natureza, dentro dos limites desse resumido átomo. Que ele veja um infinito universo, cada um com seu firmamento, seus planetas, sua terra, na mesma proporção do mundo visível; nessa terra, animais e os pequeninos insetos nos quais encontrará o que os primeiros lhe revelaram; e encontrando nesses outros a mesma coisa sem fim e sem repouso, que ele se perca nessas maravilhas tão espantosas por sua pequenez quanto as outras por sua extensão; pois quem não se admirará de que nosso corpo, que não era perceptível no universo, imperceptível no seio do todo, seja agora um colosso, um mundo, ou um todo com relação ao nada onde não se pode chegar?

Quem se considerar dessa forma sentirá terror de si mesmo e, considerando-se sustido na massa que a natureza lhe deu, entre esses dois abismos de infinito e de nada, tremera diante da visão desses portentos; e creio que sua curiosidade, transmutando-se em admiração, o fará mais disposto a contemplá-las em silêncio que a procurá-las com presunção. Pois, afinal, que é o homem na natureza? Um nada comparado ao infinito, um todo comparado ao nada, um meio entre nada e tudo. Infinitamente distante de compreender os extremos, o fim e o princípio das coisas estão para ele invencivelmente ocultos num segredo impenetrável, igualmente incapaz de ver o nada de onde foi tirado, e o infinito no qual está submergido.

Que fará ele então, senão perceber qualquer aparência do meio das coisas, num desespero eterno de não conhecer nem seu princípio nem seu fim? Todas as coisas são tiradas do nada e levadas até o infinito. Quem seguirá essas espantosas manobras?
O autor dessas maravilhas as compreende. Nenhum outro pode faze-lo."
Blaise Pascal

Quem Matou o meu Antigamente

Saudades do meu antigamente! Todos nós temos nossos antigamentes guardados como preciosidades.

Por onde andará o meu?  Quem o roubou de mim?
Tenho procurado por montanhas e vales. Nas calçadas, nas árvores. No esmaecido luar.  Em cada pingo de chuva.  Em cada voz que canta.  Em cada pássaro que voa.  Em cada flor que desabrocha.
Tenho procurado meu antigamente dentro e fora de casa.  Naquela pracinha repleta de verbenas. Onde os casais de namorados se entrelaçavam em inebriadas juras de amor.

Naquela cadeira vazia do cine Phaté.  Na beira mar e no passeio de barco. Na escola onde estudei.  Nas ruas por onde andei.  Nas missas aos domingos. No primeiro, segundo, terceiro e quarto quarteirões de onde moro.

Até atrás das portas e debaixo das camas, procurei meu antigamente.
Fiz fervorosas promessas aos meus anjos e santos protetores.
 Porém, nada encontrei!

A minha primeira professorinha e os meus primeiros amores onde andarão? Nossos antigamentes são bibliotecas onde guardamos com carinho os livros da saudade;
Os sonhos que sonhamos, os sorrisos que demos
 e as lágrimas que derramamos.

Lá se foi meu antigamente, para sempre!
Ando atrás do malvado que o levou...
 Imagino meu antigamente envolto num manto grená de saudades que nem o tempo apagará.
 Deixando meu coração apertado e em frangalhos.
 Ele foi lindo!  E passou tão rápido que nem tive tempo de fazer uma réplica
dele,  de salva-lo no computador do meu coração.

Junto com meu antigamente foram-se minhas alegrias.
Sumiram as esperanças que ainda mantenho acesas na minha alma dolorida.  Foi embora também o pranto que cai quando pensamos
no que foi e não é mais.
Todo antigamente de todo mundo é permeado de lembranças saudosas.
 Sentimentos que não fenecem como as folhas, nem se esgarçam como o cetim, que cintilam como as estrelas.

Como foi romântico, colorido, emocionante, divertido, promissor. consolador, alegre, meigo, participativo, sincero o meu antigamente!  Nossos antigamentes são os arquivos onde guardamos os "primeiros".
O primeiro sorriso, o primeiro passo, os primeiros tombos,
 Os primeiros beijos, os primeiros vislumbres do saber.
Foi no antigamente que aprendemos a ser crianças, depois
 veio a adolescência,  a mocidade... e a vida floriu!

E o antigamente foi ficando para trás cada vez mais.
 Porém, foi lá que demos o primeiro beijo na namorada,
 Conhecemos os mais belos acordes das músicas.
Foi lá que urinamos pela primeira vez na cama da mamãe. Foi lá que começamos a enxergar o mundo rico e pródigo.

Se não fosse nosso antigamente cheio de descobertas, não
 teríamos nos preparado para o futuro.
 Não teríamos carregado nas costas o pesado fardo das
responsabilidades futuras, embutidas nos
anseios do nosso porvir.

Hoje eu venero e bendigo o meu antigamente pois foi ele que me ensinou,
 o primeiro passo para aguçar minha inteligência, para
conhecer o mundo, saber ler,  contar e estudar.
Foi antigamente que aprendi a amar meus pais e irmãos;
aprendi que as pessoas que me cercam são meus irmãos em cristo. Que passei da luz do candeeiro a gás para a lâmpada florescente,
foi um passo de gigante.
Não sei se estou certo: mas não devia haver "antigamente nenhum"!

Agora, mergulhado no futuro, tenho medo!
 Tenho medo das revoluções do espírito e do corpo.
Tenho medo de quem passa ao meu lado, das caras feias dos vizinhos.
Tenho medo até de minha sombra!

A liberdade de antigamente foi trocada pelas suspeitas,
 Pela falta de segurança, pelos assaltos cruéis.
 A marcha lenta de antigamente, deu origem a uma desenfreada
reviravolta no nosso pensar sentir e querer.

Assustam-me as tecnologias novas, os palavrões novos,
O novo sentido da libertinagem, do vandalismo.
 Os filhos sem pais, a precariedade do ensino,
 Os veículos de comunicação ensinando baixarias e opróbrios,
 A brutalidade circulante, as descomposturas
 e a falta da fé em deus anulando os sentimentos religiosos.
 Assusta-me tudo que é novidade.  Mas tenho que aceitar
o que não pode ser mudado.  Não podemos parar o tempo!

Adeus, meu antigamente, preciso esquece-lo senão enlouqueço!
E não se fala mais nisto.
Rivaldo Cavalcante  

Estatutos do Homem


(Ato Institucional Permanente)
Artigo I  Fica decretado que agora vale a verdade. agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III  Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV  Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único: O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Artigo V  Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI  Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII  Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma  bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII  Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

 Artigo IX  Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X  Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.

Artigo XI Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor

Artigo XIII Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final. Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.
Thiago de Mello

Queda da Bastilha

A queda da Bastilha, no dia 14 de julho de 1789, marca o início do movimento revolucionário pelo qual a burguesia francesa, consciente de seu papel preponderante na vida econômica, tirou do poder a aristocracia e a monarquia absolutista.
     No final do século XVIII a França é ainda um país agrário mas com industrialização incipiente. A burguesia acumula dinheiro e começa a ambicionar também o poder político. A sociedade está dividida em três grupos básicos. O clero é o Primeiro Estado, a nobreza, o Segundo, e os cerca de 95% restantes da população, que inclui desde ricos comerciantes até camponeses, formam o Terceiro Estado. E é este último que, estimulado pelos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, se revolta contra os privilégios da minoria. Desde o reinado de Luís XIV, o "Rei Sol", a França encontra-se carregada de dívidas decorrentes das guerras de conquista da monarquia e da manutenção de uma corte pomposa, rodeada de uma nobreza parasitária.
Nobreza - Formada por 2,5% de uma população de 23 milhões de habitantes. Não paga impostos e tem acesso aos cargos públicos. Subdivide-se em: alta nobreza, cujos rendimentos provêm dos tributos senhoriais, pensões reais e dos cargos na corte; nobreza rural, que possui direitos de senhorio e de exploração agrícola; e nobreza burocrática, de origem burguesa, com altos postos administrativos.
Clero - Engloba 2% da população total e também é isento de impostos. Apresenta um grande desnível entre o alto clero, de origem nobre e grandes rendimentos provenientes das rendas eclesiásticas, e o baixo clero, de origem plebéia, reduzido à subsistência.
Terceiro Estado - Formado por 95% da população, engloba a burguesia, os artesãos, o proletariado industrial e o campesinato. A burguesia é composta por fabricantes, banqueiros, comerciantes, advogados, médicos. Os burgueses têm poder econômico, principalmente por meio da indústria e das finanças, mas é igualada ao povo, dentro do Terceiro Estado, sem direito de participação política, liberdade econômica e ascensão social.
Propagação de ideais democráticos - Os cafés, clubes e lojas maçônicas se convertem em centros de discussão das doutrinas iluministas, favoráveis à liberdade individual e à forma democrática de governo. Participam nobres, membros do baixo clero e burgueses liberais, como Lafayette, Mirabeau, Felipe de Orleans, Talleyrand e Sièyes.
Reinado de Luís XVI - Começa em 1774, num quadro de agravamento da crise financeira e das tensões sociais. O rei Luís XVI nomeia o fisiocrata Turgot para ministro da Fazenda com a missão de realizar reformas que detenham a crise financeira. Mas as tentativas são barradas pela ação das classes privilegiadas. Em 1788, diante da bancarrota do Estado, o rei convoca a Assembléia dos Estados Gerais.
Estados Gerais
     Constituídos por representantes dos três Estados, são convocados em 1788 depois de 174 anos de inatividade. A convocação resulta do fracasso da Assembléia dos Notáveis, reunida pela monarquia em 1787 para resolver a crise financeira. Formada principalmente por nobres, a Assembléia dos Notáveis recusa qualquer reforma contra seus privilégios. Para a Assembléia dos Estados Gerais são eleitos 291 deputados do clero, 270 da nobreza e 610 do Terceiro Estado, dos quais a maioria é burguesa.
Assembléia Nacional Constituinte
     Os Estados Gerais começam seus trabalhos em maio de 1789. A divisão no clero e na nobreza reforça o Terceiro Estado, que pretende ir além das reformas financeiras pretendidas pela monarquia. Para garantir sua maioria, a nobreza quer que a votação seja feita por classe. O Terceiro Estado quer a votação por cabeça e consegue, para esse propósito, o apoio dos representantes do baixo clero e da pequena nobreza. A disposição da burguesia em liquidar o absolutismo e realizar reformas políticas, sociais e econômicas conduz, em junho de 1789, à proclamação em Assembléia Constituinte.
     No dia 14 de julho a multidão, que estava submetida as fortes tensões dos últimos dias, resolveu atacar a Bastilha (uma fortaleza-prisão construída por Carlos V, entre 1369 e 1382, com oito torres, muralhas de 25 metros de altura cercadas por fossos). Ela era o símbolo do despotismo. Pairava sobre Paris como um feiticeiro, um bruxo, ou ainda um bicho-papão, que, saindo na calada da noite, indo invadir as casas para arrancar suas vítimas do leito e do aconchego da família, as conduzia algemadas, sem nenhuma formalização de culpa, para os carcereiros. Os habitantes de Paris imaginavam-na um local onde o inominável acontecia. Diziam que torturas e punições indescritíveis tinham seu sítio lá.
     Era a representação concreta do pode-tudo dos privilegiados pois permitia aos nobres, graças às cartas assinadas em branco pelo rei (as famosas lettres du cachet), a usar suas instalações como cárcere dos seus desafetos.
     O embastilhado necessariamente não era informado do seu delito, nem por quanto tempo ficaria preso. Poderia ser encalabouçado por alguns meses, como ocorreu com Voltaire, ou chegar a cumprir 37 anos como se deu com o infeliz Latude.
     Nos últimos tempos ela estava desativada. Quando a assaltaram havia apenas sete presos em suas masmorras, nenhum deles fora detido por motivos políticos. Mesmo assim a sua sombra parecia cobrir Paris inteira, sendo que do alto dos seus torreões as sentinelas posavam como se fossem gárgulas vivas, os olhos do velho regime, tudo vendo, tudo cuidando, em estado de alerta contra todos.
O assalto à Bastilha
     A grande prisão do estado terminou sendo invadida porque um jornalista, Camille Desmoulins, até então desconhecido, arengou em frente ao Palais Royal e pelas ruas dizendo que as tropas reais estavam prestes a desencadear uma repressão sangrenta sobre o povo de Paris. Todos deviam socorrer-se das armas para defender-se. A multidão, num primeiro momento, dirigiu-se aos Inválidos, o antigo hospital onde concentravam um razoável arsenal. Ali, apropriou-se de três mil espingardas e de alguns canhões. Correu o boato de que a pólvora porém se encontrava estocada num outro lugar, na fortaleza da Bastilha. Marcharam então para lá. A massa insurgente era composta de soldados desmobilizados, guardas, marceneiros, sapateiros, diaristas, escultores, operários, negociantes de vinhos, chapeleiros, alfaiates e outros artesãos, o povo de Paris enfim. A fortaleza, por sua vez, defendia-se com 32 guardas suíços e 82 "inválidos" de guerra, possuindo 15 canhões, dos quais apenas três em funcionamento.
     Durante o assédio, o marquês de Launay, o governador da Bastilha, ainda tentou negociar. Os guardas, no entanto, descontrolaram-se, disparando na multidão. Indignado, o povo reunido na praça em frente partiu para o assalto e dali para o massacre. O tiroteio durou aproximadamente quatro horas. O número de mortos foi incerto. Calculam que somaram 98 populares e apenas um defensor da Bastilha.
     Launay teve um fim trágico. Foi decapitado e a sua cabeça espetada na ponta de uma lança desfilou pelas ruas numa celebração macabra. Os presos, soltos, arrastaram-se para fora sob o aplauso comovido da multidão postada nos arredores da fortaleza devassada. Posteriormente a massa incendiou e destruiu a Bastilha, localizada no bairro Santo Antônio, um dos mais populares de Paris. O episódio, verdadeiramente espetacular, teve um efeito eletrizante. Não só na França mas onde a notícia chegou provocou um efeito imediato. Todos perceberam que alguma coisa espetacular havia ocorrido. Mesmo na longínqua Königsberg, na Prússia Oriental, atingida pelo eco de que o povo de Paris assaltara um dos símbolos do rei, fez com que o filósofo Emanuel Kant, exultante com o acontecimento, pela primeira vez na sua vida se atrasasse no seu passeio diário das 18 horas.
No dia 14 de Julho é comemorada a Queda da Bastilha, acontecimento que revolucionou a história do mundo. 

Contagem dos pães


Dois homens que viajavam juntos sentaram-se à beira da estrada, para comer. Um tinha cinco pães, e o outro três. Quando colocaram diante de si a comida, passou por ali um homem e os cumprimentou. Eles o convidaram:
— Senta-te para comer conosco.

Ele se sentou e comeu com eles, consumindo-se durante a refeição os oito pães. O homem então se levantou e lhes deu oito moedas de prata, dizendo:

— Recebam este pagamento pela comida que me deram. E continuou seu caminho.

Os dois companheiros discutiram sobre o modo de dividir entre si as moedas. O dono dos cinco pães dizia:

— Para mim são cinco moedas, e para ti três, pois isto corresponde ao número de pães que cada um de nós tinha.

— Só me conformarei com a divisão das moedas em partes iguais, pois ele recompensou a nossa hospitalidade, que tem o mesmo valor.

Não conseguiram chegar a um acordo. Por isso levaram sua pendência ao Emir Ali ben Ali-Talib, a quem expuseram o ocorrido. O Emir disse então ao dono dos três pães:

— Teu companheiro está sendo muito condescendente, oferecendo-te três moedas, pois o pão dele era mais abundante que o teu. É melhor conformar-te com as três moedas.

— Só me conformarei com o que me cabe por direito.

— Mas, de acordo com o direito, só te cabe uma moeda, e as outras sete ao teu companheiro.

— Ele me ofereceu três moedas e não me conformei, e agora me afirmas que o direito me confere uma só moeda! Explica-me por que só tenho direito a isso, e só então o aceitarei. Ali-Talib então explicou:

— Eram três pessoas, e não é possível saber quem comeu mais e quem comeu menos. Portanto, temos de supor que todos comeram quantidades iguais. Os pães comidos eram oito, que perfazem vinte e quatro terços.
Cada um, portanto, comeu oito terços.

Os teus três pães representavam nove terços, e deles comeste oito. O teu companheiro comeu oito terços e tinha quinze. Portanto, dos oito terços que o convidado comeu, sete eram do teu amigo, e apenas um era teu. Daí resulta que te cabe apenas uma moeda, e as outras sete ao teu amigo.

— Agora eu concordo. Nada como o que é justo!
Ben Al-Sayi

terça-feira, 6 de julho de 2010

A porcelana do Rei

Achava-se, certa vez, Confúcio, na sala do trono. Em dado momento o Rei, afastando-se por alguns instantes dos mandarins que o rodeavam, dirigiu-se ao sábio e perguntou-lhe:

- Dizei-me, honrado Confúcio: como deve agir um magistrado? Com extrema severidade a fim de corrigir e dominar os maus, ou com absoluta benevolência a fim de não sacrificar os bons.


Ao ouvir as palavras do soberano, o filósofo conservou-se em silêncio; passados alguns minutos de profunda reflexão, chamou um servo, que se achava perto, e pediu-lhe que trouxesse dois baldes sendo um com água fervente e outro com água gelada.

Havia na sala, adornando a escada que conduzia ao trono, dois lindos vasos dourados de porcelana. Eram peças preciosas, quase sagradas, que o Rei muito apreciava.

Preparava-se o servo obediente para despejar, como lhe fora ordenado, a água fervendo num dos vasos e a gelada no outro, quando o Rei, emergindo de sua estupefação, interveio no caso com incontida energia:

- Que loucura é essa ó venerável Confúcio! Queres destruir essas obras maravilhosas! A água fervente fará, certamente arrebentar o vaso em que for colocada; a água gelada fará partir-se o outro!

Confúcio tomou então de um dos baldes, misturou a água fervente com a água gelada e, com a mistura assim obtida, encheu os dois vasos sem perigo algum.

O poderoso monarca e os venerandos mandarins observaram atônitos a atitude singular do filósofo.

Este, porém, indiferente ao assombro que causava aproximou-se do soberano e assim falou:

- A alma do povo, ó Rei, é como um vaso de porcelana, e a justiça do Rei é como água. A água fervente da severidade ou a gelada da excessiva benevolência, são igualmente desastrosas para a delicada porcelana; manda, pois, a Sabedoria e ensina a Prudência que haja um perfeito equilíbrio entre a severidade com que se pode castigar o mau; e a longanimidade com que se deve educar e corrigir o bom.

A Morte do Lidador


- Pajens! Ou arreiem o meu ginete murzelo; e vós dai-me o meu lorigão de malha de ferro e a minha boa toledana. Senhores cavaleiros, hole contam-se noventa e cinco anos que recebi o batismo, oitenta que visto armas, setenta que sou cavaleiro, e quero celebrar tal dia fazendo entrada por terras da frontaria dos mouros.
Isto dizia na sala de armas do castelo de Beja Gonçalo Mendes da Maia, a quem, pelas muitas batalhas que pelejara e por seu valor indomável, chamavam Lidador. Afonso Henriques, depois do infeliz sucesso de Badajoz, e feitas pazes com el-rei Leão, o nomeara fronteiro da cidade de Beja, de pouco tempo conquistada aos mouros. Os quatro Viegas, filhos do bom velho Egas Moniz, estavam com êle, e outro muiots cavaleiros afamados, entre os quais D. Ligel de Flandres e Mem Moniz - que a festa de vossos anos, Senhor Gonçalo Mendes, será mais de mancebo cavaleiro que de capitão encanecido e prudente. Deu-vos el-rei esta frontaria de Beja para bem a haverdes de guardar, e não sei se arriscado é sair hoje à campanha, que dizem os escutas, chegados ao romper d'alva, que o famose Almoleimar correr por êstes arredores com dez vêzes mais lanças do que tôdas as que estão encostadas nos lanceiros desta sala de armas.
- Voto a Cristo - atalhou o Lidador - que não cria em que o senhor rei me houvesse pôsto nesta tôrre de Beja para estar assentado à lareira da chaminé, como velha dona, a espreitar de quando em quando por uma seteira se cavaleiros mouros vinham correr até a barbacã, para lhes cerrar as portas e ladrar-lhes do cimo da tôrre da menagem, como usam os vilãos. Quem achar que são duros de mais os arneses dos infiéis pode ficar-se aqui.
- Bem dito! Bem dito! - exclamarem, dando grandes risadas, os cavaleiros mancebos.
- Por minha boa espada! - gritou Men Moniz, atirando o guante ferrado às lájeas do pavimento - que mente pela gorja quem disser que eu ficarei aqui, havendo dentro de dez léguas em redor lide com mouros. Senhor Gonçalo Mendes, podeis montar em vosso ginete, e veremos qual das nossas lanças bate primeior em adarga mourisca.
- A cavalo! A cavalo! - gritou outra vez a chusma, com grande alarido.
Dali a pouco, ouvia-se o retumbar dos sapatos de ferro de muitos cavaleiros descendo os degraus de mármore da tôrre de Beja e, passados alguns instantes, soava só o tropear dos cavalos, atravessando a ponte levadiça das fortificações exteriores que davam para a banda da campanha por onde costumava aparecer a mourisma.
Era um dia do mês de julho, duas horas depois da alvorada, e tudo estava em grande silêncio dentro da cêrca de Beja: batia o sol nas pedras esbranquiçadas dos muros e tôrres que a defendiam: ao longe, pelas imensas compinas que avizinhavam o têso sôbre que a povoação está assentada, viam-se ondear as searas maduras, cultivadas por mãos de agarenos para seus novos senhores cristãos. Regados por lágrimas de escravos tinham sido êsses campos, quando formoso dia de inverno os sulcou o ferro do arado; por lágrimas de servos seriam outra vez umedecidos, quando, no mês de julho, a paveia, cercada pela fouce, pendesse sôbre a mão do ceifeiro: chôro de amargura havia aí, como, cinco séculos antes, o houvera: então de cristãos conquistados, hoje de mouros vencidos. A cruz hateava-se outra vez sôbre o crescente quebrado: os coruchéus das mesquitas convertiam-se em campanários de sés, e a voz do almuadem trocava-se por toada de sinos, que chamavam à oração entendida por Deus.
Era esta a resposta dada pela raça goda aos filhos d'África e do Oriente, que diziam, mostrando os alfanges: 
- "é nossa a terra de Espanha".
- O dito árabe foi desmentido; mas a resposta gastou oito séculos a escrever-se. Pelaio entalhou com a espada a primeira palavra dela nos cerros das Astúrias; a última gravaram-na Fernando e Isabel, com os pelouros de suas bambardes, nos panos das muralhas da formosa Granada: e esta escritura, estampada em alcantis de ontanhas, em campos de batalha, nos portais e tôrres dos templos, nos bancos dos muros das cidades e castelos, acrescentou no fim a mão da Providência: 
- "assim para todo o sempre!"
Nesta luta de vinte gera;'oes andavam lidando as gentes do Alentejo. O servo mouro olhava todos os dias para o horizonte, onde se enxergavam as serranias do Algarve: de lá esperava êle salvação ou, ao emnos, vengança; ao menos, um dia de combate e corpos de cristãos estirados na veiga para pasto dos açôres bravios. A vista do sangue enxugava-lhes por algumas horas as lágrimas, embora as aves de rapina tivessem, também, abundante ceva de cadáveres de seus irmãos! E êste ameno dia de julho devia ser um dêsses dias por que suspirava o servo ismaelita.
Almoleimar descera com os seus cavaleiros às campinas de Beja. Pelas horas mortas da noite, viam-se as almenaras da das serras remotas, semelhantes às luzinhas que em descampados e tremedais acendem as bruxas em noites de seus folguedos: bem longe estavam as almenaras, mas bem perto sentiam os escutas o resfolegar e o tropear de cavalos, e o ranger das fôlhas sêcas, e o tinir a espaços de alfange batendo em ferro de caneleira ou de coxote. Ao romper d'alva, os cavaleiros do Lidador saíam mais de dois tiros de besta além das muralhas de Beja; tudo porém estava em silêncio, e só, aqui e ali, as searas calcadas davem rebate de que por aquêles sítios tinham vagueados almogaures mouros, como o leão do deserto rodeia, pelo quarto de modôrra, as habitações dos pastôres além das encostas do Atlas.
No dia em que Gonçalo Mendes da Maia, o velho fronteiro de Beja, cumpria os noventa e cinco anos, ninguém saíra, pelo arrebol da manhã, a correr o campo; e, todavia, nunca tão de perto chegara Almoleimar; porque uma frecha fôra pregada a mão em um grosso sovereiro que sombreava uma fonte a pouco mais de tiro de funda dos muros do castelo. Era que nesse dia deviam ir mais longe os cavaleiros cristãos: Lidador pedira aos pajens o seu lorigão de malha de ferro e a sua boa toledana.
Trinta fidalgos, flor da cavalaria, corriam à rédea sôlta pelas campinas de Beja; trinta, não mais, eram êles; mas orçavam por trezentos os homens d'armas, escudeiros e pajens que os acompanhavam. Entre todos avultava em robustez e grandeza de membros o Lidador, cujas barbas brancas lhe ondeavam, como flocos de neve, sôbre o peitoral da cota d'armas, e o terrível Lourenço Viegas, a quem, pelos espantosos golpes da sua espada, chamavam o Espadeiro. Eram formoso espetáculo o esvoaçar dos balsões e signas, fora de suas fundas e soltos ao vento, o cintilar das cervillheiras, as côres variegadas das cotas, e as ondas de pó que se alevantavam debaixo dos pés dos ginetes, como se alevanta o bulcão de Deus, varrendo a face de campina ressequida, em tarde ardente de verão.
Ao largo, muito ao largo, dos muros de Beja cai a atrevida cavalgada em demanda dos mouros; e no horizonte não se vêem senão os topos pardo- azulados das serras do Algarve, que parece fugirem tanto quanto os cavaleiros caminham. Nem um pendão mourisco, nem um albornoz branco alvejam ao longe sôbre um cavalo murzelo. Os corredores cristãos volteiam na frente da linha dos cavaleiros, correm, cruzam para um e outro lado, embrenham-se nos matos e transpõem-nos em breve; entram pelos canaviais dos ribeiros; aparecem, somem-se, tornam a sair ao claro; mas, no meio de tal lidar, apenas se ouvem o trote campassado dos ginetes e o grito monótono da cigarra, pousada nos raminhos da giesteira.
A terra que pisam é já dos mouros; é já além da frontaria. Se olhos de cavaleiros portuguêses soubessem olhar para trás, indo em som de guerra, os que para trás de si os volvessem a custo enxergariam Beja. Bastos pinhais começavam já a cobrir mais crêspo território, cujos outirinhos, aqui e ali, se alteavam suaves, como seio de virgem em viço de mocidade. Pelas faces tostadas dos cavaleiros cobertos de pó corria o suor em bagas, e os ginetes alagavam de escuma as rêdes de ferro acaireladas d'ouro que so defendiam. A um sinal do Lidador, a cavalgada parou; era necessário repousar, que o sol ia no zênite e abrasava a terra; descavalgaram todos à sombra de um azinhal e, sem desenfrear os cavalos, deixaram-nos pascer alguma relva que crescia nas bordas de um arroio vizinho.
Tinha passado meia hora: por mandado do velho fronteiro de Beja um almogávar montou a cavalo e aproximou-se à rédea sôlta de uma selva extensa que corria à mão direita: pouco, porém, correu; uma frecha despedida dos bosques sibilou no ar: o almogávar gritou por Jesus: a frecha tinha-se embebido ao lado: o cavalo parou de repente, e êle, erguendo os braços ao ar, com as mãos abertas, caiu de bruços, tombando para o chão, e o ginete partiu desenfreado através das veigas e desapareceu na selva. O almogávar dormia o último sono dos valentes em terra de inimigos, e os cavaleiros da frontaria de Beja viram o seu transe do repousar eterno.
- A cavalo! A cavalo! - bradou a uma voz tôda a lustrosa companhia do Lidador; e o tinido dos guantes ferrados, batendo na cobertura de malha dos ginetes, soou uníssono, quando todos os cavaleiros cavalgaram de um pulo; e os ginetes rincharam de prazer, como aspirando os combates.
Grita medonha troou ao mesmo tempo, além do pinhal da direita.
"Alá! Almoleimar!" - era o que dizia a grita.
Enfileirados em extensa linha, os cavaleiros árabes saíram à rédea sôlta de trás da escura selva que os encobria: o seu número excedia em conco vêzes o dos soldados da cruz: as suas armaduras lisas e polidas contrastavam com a rudeza das dos cristãos, apenas defendidos por pesadas cervilheiras de ferro e por grossas cotas de malha do mesmo metal: mas as lanças dêstes eram mais robustas, e as suas espadas mais volumosas do que as cimitarras mouriscas. A rudeza e a fôrça da raça gótico-romana ia, ainda mais uma vez, provar-se com a destreza e com a perícia árabes.
Como longa fita de muitas côres, recamada de fios d'ouro e refletindo mil acidentes de luz, a extensa e profunda linha dos cavaleiros mouros sobressaía na veiga entre as searas pálidas que cobriam o campo. Defronte dêles, os trinta cavaleiros portuguêses, com trezentos homens d'armas, pajens e escudeiros, cobertos dos seus escuros envoltórios e lanças em riste, esperavam o brado de acometer. Quem visse aquêle punhado de cristãos, diante da cópia d'infiéis que os esperavam, diria que, não com brios de cavaleiros, mas com fervor de mártires, se ofereciam a desesperado transe. Porém, não pensava assim Almoleimar, nem os seus soldados, que bem conheciam a têmpera das espadas e lanças portuguêses e a rijeza dos braços que as meneavam. De um contra dez devia ser o iminente combte; mas, se havia aí algum coração que batesse descompassado, algumas faces descoradas, não era entre os companheiros do Lidador, que tal coração batia ou que tais faces descoravam.
Pouco a pouco, a planura que separava as duas hostes tinha-se embbido debaixo dos pés dos cavalos, como no tórculo se embebe a fôlha de papel saindo para o outro lado convertida em estampa primorosa. As lanças iam feitas: o Lidador bradara Santiago, e o nome de Alá soara em um só grito por tôda a fileira mourisca.
Encontraram-se! Duas muralhas fronteiras, balouçadas por violento terremoto, desabando, não fariam mais ruído, ao bater em pedaços uma contra a outra, do que êste recontro de infiéis e cristãos. As lanças, topando em cheio nos escudos, tiravam dêles um som profundo, que se misturava com o estalar das que voavam despedaçadas. Do primeiro encontro, muitos cavaleiros vieram ao chão: um mouro robusto foi derribado por Mem Moniz, que lhe falsou as armas e trapassou o peito com o ferro de sua grossa lança. Deixando-a depois cair, o velho desembainhou a espada e gritou ao Lidador, que perto dêle estava:
- Senhor Gonçalo Mendes, ali tendes, no peito daquele perro, aberto a seteira por onde eu, velha dona assentada à lareira, costumo vigiar a chegada de inimigos, para lhes ladrar, como alcatéia de vilãos, do cimo da tôrre de menagem.
O Lidador não lhe pôde responder. Quando Mem Moniz proferia as últimas palavras, êle topara em cheio com o terrível Almoleimar. As lanças dos dois contendores haviam-se feito pedaços, e o alfanje do mouro cruzou- lhe com a toledana do fronteiro de Beja.
Como duas tôrres de sete séculos, cujo cimento o tempo petrificou, os dois capitães inimigos estavam um defronte do outro, firmes em seus possantes cavalos: as faces pálidas e enrugadas do Lidador tinham ganhado a imobilidade que dá, nos grandes perigos, o hábito de os afrontar: mas no rosto de Almoleimar divisavam-se todos os sinais de um valor colérico e impetuoso. Cerrando os dentes com fôrça, descarregou um golpe tremendo sôbre o seu adversário: o Lidador recebeu-o no escudo, onde o alfanje se embebeu inteiro, e procurou ferir Almoleimar entre o fraldão e a couraça; mas a pancada falhou, e a espada desceu, faiscando, pelo coxote do mouro, que já desencravara o alfanje. Tal foi a primeira saudação dos dois cavaleiros inimigos.
- Brando é o teu escudo, velho infiel; mais bem temperado é o metal do meu arnês. Veremos agora se na tua touca de ferro se embotam os fios dêste alfanje.
Isto disse Almoleimar, dando uma risada, e a cimitarra bateu no fundo
do vale penedo desconforme desprendido do píncaro da montanha.
O fronteiro vacilou, deu um gemido, e os braços ficaram-lhe pendentes: a espada ter-lhe-ia caído no chão, se não estivesse prêsa ao punho do cavaleiro por uma cadeia de ferro. O ginete, sentindo as rédeas frouxas, fugiu um bom pedaço pela campanha, a todo o galope.
Mas o Lidador tornou a si: uma forte sofreada avisou o ginete de que seu senhor não morrera. À rédea sôlta, lá volta o fronteiro de Beja; escorre- lhe o sangue, envolto em escuma, pelos cantos da bôca: traz os olhos torvos de ira: ai de Almoleimar!
Semelhante ao vento de Deus, Gonçalo Mendes da Maia passou por entre os cristãos e mouros: os dois contendores viram-se, e, como o leão e o tigre, correram um para o outro. As espadas reluziam no ar; mas o golpe do Lidador era simulado, e o ferro mudando de movimento no ar, foi bater de ponta no gorjal de Almoleimar, que cedeu à violenta estocada; e o dangue, saindo às golfadas, cortou a última maldição do agareno.
Mas a espada dêste também não errara o golpe: vibrada na ânsia, colhera pelo ombro esquerdo o velho fronteiro e, rompendo a grossa malha do lorigão, penetrara na carne até o osso. Ainda mais uma vez a mesma terra bebeu nobre sangue gôdo misturado com sangue árabe.
- Perro maldito! Sabe lá no inferno que a espada de Gonçalo Mendes é mais rija que a sua cervilheira.
E, dizendo isto, o Lidador caiu amortecido; um dos seus homens de armas voou a socorrê-lo; mas o último golpe d'Almoleimar fôra o brado da sepultura para o fronteiro de Beja: os ossos do ombro do bom velho estavam como triturados, e as carnes rasgadas pendiam-lhe para um e para outro lado envôltas nas malhas descosidas do lorigão.
Entretanto os mouros iam de vencida: Mem Moniz, D. Ligel, Godinho Fafes, Gomes Mendes Gedeão e os outros cavaleiros daquela lustrosa companhia tinham praticado maravilhosas façanhas. Mas, entre todos, tornava-se notável o Espadeiro. Com um pesado montante nas mãos, coberto de pó, suor e sangue, pelejava a pé; que o seu agigantado ginete caíra morto de muitos tiros de frechas lançadas. De roda dêle não se viam senão cadáveres e membros destroncados, por cima dos quais trepavam, para logo recuarem ou baquearem no chão, os mais ousados cavaleiros árabes. Como um promontório de escarpados alcantis, Lourenço Viegas estava imóvel e sabranceiro n meio do embate daquelas vagas de pelejadores que vinham desfazer-se contra o terrível montante do filho de Egas Moniz.
Quando o fronteiro caiu, o grosso dos mouros fugia já para além do pinhal; mas os mais valentes pelejavam ainda à roda do seu moribendo. O Lidador êsse tinha sido pôsto em cima de umas andas, feitas de troncos e franças de árvores, e quatro escudeiros, que restavam vivos dos dez que consigo trouxera, o haviam transportado para a saga da cavalgada. O tinir dos golpes era já muito frouxo e sumiam-se no som dos gemidos, pragas e lamentos que soltavam os os mouros, porém, levavam, fugindo, vergonha e dano, a vitória não saíra barata aos portuguêses. Viam perigosamente ferido o seu velho capitão, e tinham perdido alguns cavaleiros de conta e a maior parte dos homens de armas, escudeiros e pajens.
Foi neste ponto que, ao longe, se viu erguer uma nuvem de pó, que voava rápida para o lugar da peleja. Mais perto, aquêle turbilhão rareou vomitando do seio basto esquadrão de árabes. Os mouros que fugiam deram volta e gritaram:
A Ali-Abu-Hassan! Só Deus é Deus, e Maomé o seu profeta!
Era, com efeito, Ali-Abu-Hassan, rei de Tânger, que estava com seu exército sôbre Mertola e que viera com mil cavaleiros em socorro de Almoleimar.
Cansados de largo combater, reduzidos a menos de metade em número e cobertos de feridas, os cavaleiros de Cristo invocaram o seu nome e fizeram o sinal da cruz. O Lidador perguntou com voz fraca a um pajem, que estava ao pé das andas, que nova revolta era aquela.
- Os mouros foram socorridos por um grosso esquadrão - respondeu tristemente o pajem. - A Virgem Maria nos acuda, que os senhores cavaleiros parece recuarem já.
O Lidador cerrou os dentes com fôrça e levou a mão à cinta. Buscava a sua boa toledana.
- Pajem, quero um cavalo. Onde está a minha espada?
- Aqui a tenho, senhor. Mas estais tão quebrado de fôrças!...
- Silêncio! A espada, e um bom ginete.
O pajem deu-lhe a espada e foi pelo campo buscar um ginete, dos
muitos que andavam já sem dono. Quando voltou com êle, o Lidador, pálido e coberto de sangue, estava em pé e dizia, falando consigo:
- Por Santiago que não morrerei como vilão da beetria onde entrou cavalgada de mouros! E o pajem ajudou-o a montar o cavalo.
Ei-lo o velho fronteiro de Beja! Semelhava um espectro erguido de pouco em campo de finados: debaixo de muitos panos que lhe envolviam o braço e o ombro esquerdo levava a própria morte; nos fios da espada, que a mão direita mal sustinha, levava, porventura, ainda a morte de muitos outros!
Para onde mais travada e acesa andava a peleja se encaminhou o Lidador. Os cristãos afrouxavam diante daquela multidão de infiéis, entre os quais mal se enxergavam as cruzes vermelhas pintadas nas cimeiras dos portuguêses. Dois cavaleiros, porém, com vulto feroz, os olhos turvados de cólera, e as armaduras crivadas de golpes, sustinham todo o pêso da batalha. Eram êstes o Espadeiro e Mem Moniz. Quando o fronteiro assim os viu oferecidos a certa morte algumas lágrimas lhe caíram pelas faces e, esporeando o ginete, com a espada erguida, abriu caminho por entre infiéis e cristãos e chegou aonde os dois, cada um com seu montante nas mãos, faziam larga praça no meio dos inimigos.
- Bem-vindo, Gonçalo Mendes! - disse Mem Moniz. - Quiseste assistir conosco a esta festa de morte? Vergonha era, de feiot, que estivesses fazendo teu passamento, com todo o repouso, deitado lá na saga, enquanto eu, velha dona, espreito os mouros com meu sobrinho junto desta lareira...
- Implacáveis sois vós outros, cavaleiros de Riba-Douro, - respondeu o Lidador em voz sumida- que não perdoais uma palavra sem malícia. Lembra- te, Mem Moniz, de que bem depressa estaremos todos diante do justo juiz.
Velho sois; bem o mostrais! - acudiu o Espadeiro. - Não cureis de vãs porfias, mas de morrer como valentes. Demos nestes perros, que não ousam chegar-se a nós. Avante, e Santiago!
- Avante, e Santiago! - responderam Gonçalo Mendes e Mam Moniz: e os três cavaleiros deram rijamente nos mouros.
Quem hoje ouvir recontar os bravos golpes que no mês de julho de 1170 se deram na veiga da fronteira de Beja, notá-los-á de fábulas sonhadas; porque nós, homens corruptos e enfraquecidos por ócios e prazeres de vida afeminada, medimos por nossos ânimos e fôrças, a fôrça e o ânimo dos bons cavaleiros portuguêses do sécuo XII; e todavia, êsses golpes ainda soam, através das eras, nas tradições e crônicas, tanto cristãs como agarenas.
Depois de deixar assinadas muitas armaduras mouriscas, o Lidador vibrara pela última vez a espada e abrira o elmo e o crânio de um cavaleiro árabe. O violento abalo que experimentou lhe fêz rebentar em torrentes o sangue da ferida que recebera das mãos de Almoleimar e, cerrando os olhos, caiu morto ao pé do Espadeiro, de Mem Moniz e de Afonso Hermingues de Baião, que com êles se ajuntara. Repousou, finalmente, Gonçalo Mendes da Maia de oitenta anos de combates!
Já a êste tempo cristãos e mouros se haviam descido dos cavalos e pelejavam a pé. Traziam-se assim à vontade, e recrescia a crueza da batalha. Entre os cavaleiros de Beja espalhou-se logo a nova da morte do seu capitão, e não houve ali olhos que ficasem enxutos. O despeito do próprio Mem Moniz deu lugar à dor, e o velho de Riba-Douro exclamou entre soluços:
- Gonçalo Mendes, és morto! Nós todos quantos aqui somos, não tardará que te sigamos; mas ao menso, nem tu, nem nós ficaremos sem vingança!

- Vingança! - bradou o Espadeiro com voz rouca, e rangendo os dentes. Deu alguns passos e viu-se o seu montante reluzir, como uma centelha em céu proceloso.
Era Ali-Abu-Hassan: Lourenço Viegas o conhecera pelo timbre real do morrião.
Se já vivestes vida de combates em cidade sitiada, tereis visto muitas vêzes um vulto negro que em linha diagonal corta os ares, sussurrando e gemendo. Rápido, como um pensamento criminoso em alma honesta, êle chegou das nuvens à terra, antes que vos lembrásseis do seu nome. Se encontrou na passagem ângulo de tôrre secular, o mármore converte-se em pó; se atravessou, pelas ramas de árvore basta e frondosa, a fôlha mais virente e frágil, o raminho mais tenro é dividido, como se, com cutelo sutilíssimo, mão de homem lhe houvera cerceado atentamente uma parte; e, todavia, não é um ferro açacalado: é um globo de ferro; é a bomba, que passa, como a maldição de Deus. Depois, debaixo dela, o chão achata-se e a terra espadana aos ares; e, como agitada, despedaçada por cem mil demônios, aquela máquina do inferno estoura, e de roda dela há um zumbir sinistro: são mil fragmentos; são mil mortes que se derramam ao longe. Então faz-se um grande silêncio vêem-se corpos destroncados, poças de sangue, arcabuzes quebrados, e ouvem-se o gemer dos feridos e o estertor dos moribundos.
Tal desceu o montante do Espadeiro, rôto dos milhares de golpes que o cavaleiro tinha descarregado. O elmo de Ali-Abu-Hassan faiscou, voando em pedaços pelos ares, e o ferro cristão esmigalhou o crânio do infiel, abriu-o até os dentes. Ali-Abu-Hassan caiu.
- Lidador! Lidador! - disse Lourenço Viegas, com voz comprimida. As lágrimas misturavam-se-lhe nas faces com o suor, com o pó e com o sangue do agareno, de que ficou coberto. Não pôde dizer mais nada. Tão espantoso golpe aterrou os mouros. Os portuguêses seriam já apenas sessenta, entre cavaleiros e homens d'armas: mas pelejavam como desesperados e resolvidos a morrer. Mais de mil inimigos juncavam o campo, de envôlta com os cristãos. A morte de Ali-Abu-Hassan foi o sinal da fugida.
Os portuguêses, senhores do campo, celebravam com prantos a vitória. Poucos havia que não estivessem feridos; nenhum que não tivesse as armas falsadas e rôtas. O Lidador e os demais cavaleiros de grande conta que naquela jornada tinham acabado, atravessados em cima dos ginetes, foram conduzidos a Beja. Após aquêle tristíssimo préstito, iam os cavaleiros a passo lento, e um sacerdote templário, que fôra na cavalgada com a espada cheia de sangue metida na bainha, salmodeava em voz baixa aquelas palavras do livro da Sabedoria:
"Justorum autem animae in manu Dei sunt, et non tangent illos tormentum mortis".
Alexandre Herculano – 1810/1877