domingo, 11 de dezembro de 2011

O Caminho da Filosofia


O mundo é um livro no qual o eterno Juízo escreveu os seus pensamentos; o templo vivo onde em si mesmo pintando belas figuras ornamentou inteiramente a imensa circunferência.

 
Aqui, pois, todo homem deveria ler, com o olhar descobrir como viver, governar, e temer a impiedade; e ao ver em toda parte Deus, ser ousado e compreender a mente universal.
 
Mas nós nos vinculamos aos livros e templos mortos copiados com erros sem conta do que é vivo. Esses, mais nobres que aquela escola, dita sublime.
 
Oh, possam nossas desajuizadas almas ser conduzidas `a verdade, através da dor, do pesar, da angustia e da luta!
 
Voltemo-nos e leiamos o único original.
Campanella

domingo, 13 de novembro de 2011

A Lição

As sandálias do discípulo ressoavam surdamente nos degraus de pedra que levavam aos porões do velho mosteiro.


Empurrou a pesada porta de madeira que cerrava os aposentos do venerável mestre e custou a localizá-lo na densa penumbra, o rosto velado por um capuz, sentado atrás de enorme escrivaninha onde, apesar do escuro, fazia anotações num grande livro, tão velho quanto ele.  

E o discípulo o inquiriu:
- Mestre, qual o sentido da vida?


O idoso mestre, permanecendo em silêncio, apenas apontou um pedaço de pano, um trapo grosseiro no chão junto à parede e logo após, seu indicador ossudo e encarquilhado mostrou logo acima, no alto do aposento o vidro da janela, opaco sob décadas de poeira e teias de aranha.

O discípulo pegou o pano e subindo em algumas prateleiras de uma pesada estante forrada de livros conseguiu alcançar a vidraça, começando então a esfregá-la com vigor, retirando a sujeira que impedia sua transparência. O sol inundou o aposento, banhando com sua luz estranhos objetos, instrumentos raros e dezenas de papiros e pergaminhos com misteriosas anotações e signos cabalísticos. Sem caber em si de contentamento, a fisionomia denotando o brilho da satisfação declarou:

- Entendi, respeitável mestre.

Devemos nos livrar de tudo que possa obstruir nosso aprendizado; buscar retirar o pó dos preconceitos e as teias das opiniões que impedem que a luz do conhecimento nos atinja e só então poderemos enxergar as coisas com mais nitidez, partindo então para a evolução.E assim, o jovem discípulo fez uma reverência deixou o aposento, agora iluminado, a fim de dividir com os outros a lição recém aprendida. 

O velho mestre, o rosto enrugado ainda encoberto pelo largo capuz, os raios do sol da manhã agora banhando-o com uma claridade a que se desacostumara, viu o discípulo se afastando e deixou escapar um tênue sorriso. 


- Mais importante do que aquilo que alguém mostra é o que o outro enxerga...pensou ele. 
E murmurando baixinho:Eu só queria que ele colocasse o pano no lugar de onde caiu.
(Anonimo)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Discurso de Cantinflas na ONU

Discurso em que o inesquecivel Cantinflas, comediante mexicano, pronuncia na Assembléia Geral da ONU no papel de Embaixador de um país fictício.("Sua Excelencia"-filme de 1967)- Tem mais de quarenta anos, mas, sem lhe retirar uma virgula, poderia ser reproduzido em qualquer forum politico com absoluta e relevante pertinência.

Sr. Ministro das Relações Exteriores;

Sr. Secretário Geral da Assembléia;

Senhores. Representantes;

Estimados Colegas;

Coube-me, por sorte,  ser o último orador. Isso muito me agrada, pois assim os pego cansados.
Não obstante, sei que apesar da insignificância do meu país que não tem poderio militar, nem politico, nem econômico, nem muito menos atômico, todos os Senhores esperam com grande interesse minhas palavras já que do meu voto depende o triunfo dos verdes(capitalistas) ou dos vermelhos(socialistas).

Senhores Representantes:

Estamos passando por um momento crucial em que a humanidade se enfrenta ante essa mesma humanidade. Estamos vivendo um momento histórico em que o homem científica e intelectualmente é um gigante, mas moralmente é um pigmeu.

A opinião mundial está tão profundamente dividida em dois grupos aparentemente irreconciliáveis, que ocorre o caso de que um só voto, o voto de um país fraco e pequeno, pode fazer que a balança penda para um ou para o outro lado. Estamos, portanto, numa grande gangorra. Com um lado ocupado pelos Verdes e com o outro ocupado pelos Vermelhos. E agora chego eu, que sou peso -pluma, e do lado que me colocar, para lá penderá a balança! Façam-me o favor!

Os Senhores não crêem que é muita responsabilidade para um só cidadão? E porque também não considero justo que a metade da humanidade - seja qual for ela - venha a ser condenada a viver sob um regime politico e econômico que não é do seu agrado, somente  porque um frívolo embaixador votou - ou que o tenham feito votar - num sentido ou no outro. E é por isso que não votarei em nenhuma das duas teses. E náo votarei em nenhuma das duas teses, por três razões:

Primeira, porque - repito - não seria justo que um só voto de um sõ representante -que poderia neste momento estar doente do figado -venha a decidir os destinos de cem nações.

Segunda, porque estou convencido de que os procedimentos - repito e sublinho: os procedimentos dos Vermelhos(socialistas) são desastrosos.

E a terceira, porque estou convencido de que os procedimentos dos Verdes(capitalistas) tampouco são os mais bondosos que se possa ter.
E se não se calarem imediatamente, não sigo com o discurso e os Senhores ficarão com a curiosidade de saber o que eu tinha para lhes dizer. Insisto que falo de procedimentos e não de idéias e nem de doutrinas.

Par mim todas as idéias são respeitáveis, ainda que sejam "ideiazinhas" ou "ideiazonas" e mesmo que eu não esteja de acordo com elas. O que pensa esse Senhor, ou esse outro Senhor, ou aquele Senhor, ou esse de bigodinho que já não pensa nada porque já está dormindo, nada disso impede que sejamos, todos nós, bons amigos. Todos cremos que nossa maneira de ser, nossa maneira de viver, nossa maneira de pensar e até o nosso modo de andar são os melhores; e esse modelo tratamos de impô-lo aos demais e, se não os aceitam, dizemos que 'são isso ou são aquilo' e, imediatamente, entramos em desinteligências.

Os Senhores acham que isso está correto?


Tão facil seria a vida se ao menos respeitássemos o modo de viver de cada um. Faz cem anos que disse uma das figuras mais humildes, mas mais importantes do nosso continente: ' O respeito ao direito alheio é a paz'. É disso que eu gosto! Não que me aplaudam, mas que reconheçam a sinceridade das minhas palavras. Estou de acordo com tudo o que disse o Senhor Representante da Salsichônia com humildade(N.T.:referência a Alemanha); com humildade de pedreiros independentes devemos lutar para derrubar a barreira que nos separa; a barreira da incompreensão; a barreira da mútua desconfiança; a barreira do ódio.


E no dia em que conseguirmos, poderemos dizer que voamos por cima da barreira.


Mas não a barreira das idéias, isso não, nunca! No dia em que pensarmos iguais, atuarmos iguais, deixaremos de ser homens para converter-nos em máquinas, em autômatos. Esse é o grave erro dos Vermelhos, o querer impor pela força suas idéias e seu sistema politico e econômico. Falam de liberdades humanas, mas eu lhes pergunto: existem essas liberdades em seus próprios países? Dizem defender os Direitos do Proletariado, mas seus próprios trabalhadores nem sequer possuem o direito fundamental `a greve. Falam da cultura universal ao alcance das massas, mas encarceram os seus escritores porque eles se atrevem a dizer verdade. Falam da livre determinação dos povos e, no entanto, há cem anos oprimem uma serie de nações sem permitir-lhes que se dêem uma forma de governo que mais lhes convenham.


Como podemos votar por um sistema que fala de dignidade e, ato continuo, atropela o mais sagrado da dignidade humana, que é a liberdade de consciência, eliminando ou pretendendo eliminar a Deus por decreto?


Não Senhores representantes, eu não posso estar com os Vermelhos ou, melhor dizendo, com sua maneira de atuar. Respeito seu modo de pensar, mas não posso dar meu voto para que seu sistema se implante pela força em todos os países da Terra.  Aquele que quiser ser Vermelho que o seja, mas que não pretenda tingir os demais.


Um momento, jovens! Senhores! Por que tão sensíveis? Os senhores não aguentam nada, não? Eu ainda não terminei! Voltem aos seus lugares. Sei que estão acostumados a abandonar essas reuniões quando ouvem algo que não é de seu agrado; mas não terminei.
Voltem aos seus lugares, não sejam precipitados, ainda tenho que dizer algo sobre os Verdes. Os Senhores gostariam de ouvir? Sentem-se!


Agora, meus queridos Colegas Verdes.
O que disseram os Senhores? - Já votou por nós? Não?
Pois não, jovens. Não votarei por vocês porque vocês também têm muita culpa por tudo que acontece no mundo. Vocês são soberbos como se o mundo fosse só de vocês e que os demais tivessem uma importância apenas relativa. E ainda que falem de paz, de democracia e de coisas muito bonitas, `as vezes também pretendem impor sua vontade pela força e pela força do dinheiro. Estou de acordo que devamos lutar pelo bem coletivo e individual; que devamos combater a miséria; que devamos resolver os tremendos problemas de habitação , do vestir e do sustento. Mas não estou de acordo é com a forma que vocês pretendem resolver esses problemas. Vocês também sucumbiram ante o materialismo, esqueceram os mais belos valores do espírito. Pensando somente nos negócios, pouco a pouco foram se convertendo nos credores da humanidade e, por isso, a humanidade lhes vê com desconfiança.


No dia da inauguração desta Assembléia, o Senhor Embaixador da "Ladarônia" disse que o remédio para todos os nossos males estava em ter automóveis, refrigeradores, televisores.
E eu me pergunto: para que queremos automóveis se ainda andamos descalços?


Para que queremos refrigeradores se não temos alimento para colocar neles?


Par que queremos tanques e armamentos se não temos escolas para nossos filhos?


Devemos lutar para que o homem pense na paz, mas não somente impulsionado pelo seu instinto de conservação, se não, e fundamentalmente, pelo dever que tem de superar-se e de fazer do mundo um local de paz e tranqüilidade cada vez mais digno da espécie humana e de seus destinos.


Mas essa aspiração não será possível se não houver abundância para todos; bem-estar comum, felicidade coletiva e justiça social.


É verdade que está em suas mãos - dos países poderosos da Terra, Verdes e Vermelhos -, o ajudar a nós, os fracos, mas não com presentes, nem com empréstimos, nem com alianças militares. Ajudem-nos pagando preços mais justos, mais equitativos por nossas matérias-primas; ajudem-nos dividindo conosco seus notáveis avanços na ciência, na tecnologia. Não para fabricar bombas, mas para acabar com a fome e com a miséria.


Ajudem-nos respeitando nossos costumes, nossas crenças, nossa dignidade como seres humanos e nossa personalidade como nações, por pequenos e frágeis que sejamos.


Pratiquem a tolerância e a verdadeira fraternidade, e nós saberemos corresponder-lhes. Mas deixem imediatamente de tratar-nos como simples peões no tabuleiro de xadrez da politica internacional. Reconheçam-nos como o que somos, não somente como clientes ou como ratos de laboratório, mas como seres humanos que sentem, sofrem e choram. 


Senhores representantes, existe outra razão a mais porque não posso dar meu voto: faz exatamente vinte e quatro horas que apresentei minha renúncia como Embaixador do meu país. Espero que seja aceita. Consequentemente, não lhes falei como Excelência, mas como um simples cidadão; como um homem livre; como um homem qualquer; mas que, não obstante, crê interpretar ao máximo as aspirações de todos os homens da Terra; as aspirações e os desejos de viver em paz; o desejo de ser livres; o desejo de entregar aos nossos filhos e aos filhos de nossos filhos um mundo melhor; em que reine a boa vontade e a concórdia.


E que fácil seria, Senhores, alcançar esse mundo melhor em que todos os homens brancos, negros, amarelos e pardos, ricos e pobres pudessem viver como irmãos. Se não fôssemos tão cegos, tão obcecados, tão orgulhosos. Se apenas orientássemos nossas vidas pelas sublimes palavras que, faz dois mil anos, disse aquele humilde carpinteiro da Galiléia, descalço, sem fraque nem condecorações:


"Amai-vos, amai-vos uns aos outros"


Mas, lamentavelmente vocês entenderam mal, confundiram os termos. E o que fizeram? E o que fazem?


"Armam-se uns contra os outros !"  


Tenho dito!
(Tradução: José Chirivino Álvares)

domingo, 28 de agosto de 2011

A "Máscara de todos nós...

Não se deixe enganar por mim.
Não se engane com a máscara que eu uso. Pois uso mil máscaras, que tenho medo de tirar, e nenhuma sou eu.
Fingir é uma arte que se tornou uma segunda natureza para mim, mas não se engane.
Eu dou a impressão de que sou seguro, de que tudo está bem e em paz comigo, que meu nome é confiança e tranqüilidade é meu lema, que as águas estão calmas e que estou no comando sem precisar de ninguém.
Mas não acredite nisso tudo, por favor...
A minha aparência é tranqüila, mas é apenas uma aparência. É uma máscara superficial, máscara que sempre varia e esconde.
Por baixo não há tranqüilidade, complacência ou calma. Por baixo está o meu real, em confusão, medo e abandono.
Mas eu oculto tudo isso, pois eu não quero que ninguém veja.
Fico em pânico ante a possibilidade de que minha fraqueza fique exposta, e é por isso que eu crio máscaras atrás das quais eu me escondo, com a fachada de quem não se deixa tocar, para me ocultar do olhar que sabe. Mas esse olhar é justamente a minha salvação. Minha única salvação e eu sei disto.
É a única coisa que pode me libertar de mim mesmo, dos muros da prisão que eu mesmo levantei, das barreiras que eu mesmo, tão dolorosamente, construo.
Mas eu não digo nada disso a você. Não ouso. Tenho medo.
Tenho medo que seu olhar não seja acompanhado de amor e aceitação.
Tenho medo que você me menospreze, que você ria de mim, me ferindo.
Tenho medo de que, lá dentro, no interior de mim mesmo, eu não valha nada; de que você acabe vendo e me rejeitando.
Então continuo a viver meus jogos, meus jogos de fingimento, com a fachada de segurança por fora e sendo uma criança tremendo por dentro.
Com um desfile de máscaras, todas vazias, minha vida se torna um campo de batalha.
Eu converso com você uma conversa inútil e superficial. Digo a você tudo que não tem a menor importância e calo o que arde dentro de mim. De forma que não se deixe enganar por essa rotina.
Por favor, escute atentamente e tente ouvir o que eu não estou dizendo e que eu gostaria de dizer, o que eu preciso, mas não sou capaz de dizer.
Eu não gosto de me esconder, honestamente não gosto.
Eu, tampouco, gosto dos jogos tolos e superficiais que faço.Eu gostaria mesmo era de ser ingênuo, espontâneo, eu mesmo, e você tem que me ajudar.
Você tem que me ajudar, segurando minha mão, mesmo quando esta seja a última coisa que eu aparente necessitar.
Cada vez que você é atencioso e encorajador, cada vez que você tenta compreender, procurando me ajudar, um par de asas nasce no meu coração. Asas pequenas e frágeis, mas asas.
Com sua sensibilidade, afeto e compreensão eu me torno capaz. Você me transmite vida.
Não vai ser fácil para você.
A idéia de que eu não valho nada vem de muito tempo e criou muros fortes. Mas o amor é mais forte que os muros.
Com mãos fortes, mas gentis, me ampare. Pois uma criança é muito sensível e eu sou uma criança.
E agora você poderia perguntar. Quem sou eu?
Eu sou uma pessoa que você conhece muito bem, porque eu sou todo homem, toda mulher, toda criança... todo ser humano que você encontra.
Sou, inclusive, você...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A Vaidade e o Vernáculo


"A vaidade se revela nos despreparados, no desconhecimento do próprio   vernáculo ou da língua mãe"
É de boa memória o caso do Juiz de Direito que, profundamente ofendido por ter sido chamado de “você” pelo porteiro do condomínio onde mora, entrou com ação no Fórum de Niteroi contra o condomínio pedindo, entre outras coisas, indenização por danos morais de cem salários mínimos.
O caso foi finalmente julgado e segue abaixo a sentença:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. COMARCA DE NITERÓI - NONA VARA CÍVEL. Processo n° 2005.002.003424- 4.

S E N T E N Ç A
Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de "senhor".
Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de "Doutor", "senhor", "Doutora", "senhora", sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos.
(…)
DECIDO. 
"O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem, ou de um direito que se gostaria de ter ." (Noberto Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg.15).
Trata-se o autor da ação de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo . Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz, tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente a mesma dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.
Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude . Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida.
"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário . Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas como "doutor", sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra - que se trata de título conferido por uma universidade, à guisa de homenagem, a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que "professor" e "mestre", são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado.
Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir.
O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social.
O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe "semi-culta" , que sequer se importa com isso. Na verdade "você" é variante - contração da alocução - do tratamento respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome "você", devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal.
Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/a senhora, e você, quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente.
Na edição promovida por Jorge Amado, "Crônica de Viver do Baiano Seiscentista" , nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999).
Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes.
Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil, de várias influências regionais.
Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade .
Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
P.R.I.
ALEXANDRE EDUARDO SCISINO
Juiz de  Direito

domingo, 3 de julho de 2011

Sementes Divinas


Por certo você se lembra dos tempos de criança em que a gente brincava de faz-de-conta.

Pois bem, vamos fazer de conta que vivemos num planeta no qual não existem plantas de espécie alguma. Tudo é feito de concreto, construído pelo homem.

De repente recebemos a visita de um alienígena, um viajante espacial vindo de outra galáxia. Este visitante é de boa índole e vem para fins totalmente pacíficos. Trouxe consigo algumas sementes de flamboiã e de ipê.
Como estamos fazendo de conta que somos de um planeta inteirinho de concreto e portanto não conhecemos nenhuma espécie de árvore, obviamente também não conhecemos as sementes que dão origem a tais árvores.

O visitante nos explica, então, que as sementes de flamboiã são parecidas com grãos de feijão, um pouco mais alongadas, de cor cinza com estrias marrons e de uma casca bastante resistentes, dura mesmo. Já a semente de ipê é bem diferente. Parece um circulozinho de papel vegetal com um miolo no meio, de pouco mais de meio centímetro de diâmetro, com as bordas parecendo que foram recortadas `a mão.

Coloca em nossas mãos as ditas sementes e nos diz que em cada uma daquelas pequenas sementes de casca dura existe uma árvore frondosa que, ao atingir a idade adulta, possui tronco de casca cinza-clara, galhos alongados quase que horizontalmente, folhas verdes pequenas e incontáveis em cada pé. Diz também que quando chega o mês de novembro essa árvore se cobre de flores vermelhas, lindas, mais parecendo que o sangue da natureza foi transformado em pétalas. Do ipê, diz que as folhas são maiores, o tronco, mais longo, os galhos crescem mais verticalmente, e no mês de agosto essa árvore floresce totalmente, dando a impressão de que capturou pedacinhos do sol e transformou-os em flores admiravelmente amarelas.

O visitante espacial afirma que naquelas pequenas sementes existem códigos genéticos que darão origem ao tipo de raiz, tronco, galhos, folhas, flores e frutos típicos de cada árvore. Tudo está ali em potencial. Basta que existam as condições adequadas para que a árvore toda inicie o seu processo de surgir par a vida. Depois de algum tempo de existência cobrir-se-á de cor e exuberância para aqueles que têm olhos para ver.

Par quem vive num planeta sem plantas, isso parecerá uma bonita historia que o alienígena contou par encantar os terrestres, mas é muito difícil de acreditar nela. Será preciso muita fé para acreditar no visitante, já que ele apenas disse que naquelas sementes existiam belas e frondosas árvores, mas não as trouxe para serem vistas.

Difícil, muito difícil de acreditar... e no entanto o visitante está sendo sincero. Ele vem de um mundo onde existem tais plantas, ele as conhece muito bem, convive com elas. É para ele a mais pura e evidente realidade.

Alguns acreditarão nas suas palavras, não porque viram as árvores, mas por sentirem que o visitante trazia nos olhos e nos gestos a força irresistível da sinceridade e a beleza inconfundível da verdade.

O visitante espacial retorna ao seu planeta de origem e põe fim ao nosso faz-de-conta que somos de um planeta onde tudo é de concreto, portanto, sem árvores.

Voltemos `a realidade do nosso planeta pleno de plantas e sementes e por onde já passaram muitos visitantes, quem sabe?... vindos de outras regiões do universo, apesar de encarnados como seres humanos.

Avatares, messias, mestres, iniciados ou iluminados, pouco importa a denominação que se deu a esses seres, eles passaram pela Terra em diferentes épocas, no seio de diferentes povos. Assim foi Jesus Cristo no seio do antigo povo judeu; Zoroastro ou Zaratustra entre os antigos persas; Lao-tse entre os chineses; Buda entre os indianos; Maomé entre os árabes e outros mais.

Um ponto comum entre esses grandes místicos é que as verdades que traziam atravessaram os séculos. E entre essas verdades, a de que possuímos um alma imortal. Uma energia vital que anima o corpo, mas que existe independentemente dele, que é consciente de si mesma, capaz de ter memória e, portanto, de preservar a própria identidade.

Um certo iluminado oriental disse ainda que éramos todos raios de uma mesma Luz. Esse, a quem chamam de Jesus, reverenciado em todo o Ocidente após vinte séculos de sua passagem pelo planeta, disse algo semelhante, que éramos todos filhos do mesmo Pai. E mais... que éramos feitos `a imagem e semelhança do Criador.

Que estranhas visões possuíam esses dignos visitantes?

Parece que viam em nós sementes divinas lançadas no seio da terra, do planeta Terra.

Mas como é difícil acreditar nisso!

Será que o concreto da nossa ignorância e da nossa pequenez nos impede de ver o maravilhoso flamboiã ou ipê espiritual que somos?

Será porque ainda sementes, lançadas numa terra antifraterna e com tão pouco húmus da solidariedade humana, duvidamos das palavras dos grandes místicos?

Mas eles pareciam ser tão sinceros! Traziam nos olhos e nos gestos verdades que atravessaram os séculos!

Estranhas visões possuíam esses dignos visitantes!
Prof. Carlos França

domingo, 26 de junho de 2011

Causa e efeito

Quantas vezes bloqueamos a espontaneidade das crianças, esquecendo-nos do quanto isso nos doeu na nossa infância...

Quantas vezes exigimos mais maturidade dos adolescentes sem lembrarmos o que passamos quando nos exigiram isso...

Quantas vezes nos queixamos dos colegas de trabalho e não nos perguntamos se eles também têm queixas sobre nós...

Quantas vezes nos irritamos nas ruas sem percebermos que nossa irritação também causa mal aos outros...

Quantas vezes queremos implantar paz na família expressando-nos aos berros...

Quantas vezes esperamos dos nossos parceiros o que não estamos dispostos a dar-lhes...

Quantas vezes esperamos dos nossos filhos o que não demos aos nossos pais...

Quantas vezes esperamos dos nossos pais o que não damos aos nossos filhos...

Quantas vezes perdemos a paciência com idosos esquecendo que a velhice chega para todos...

Quantas vezes repelimos animais e nos comportamos como seres irracionais...

Quantas vezes pedimos aos amigos coisas que não gostaríamos que eles nos pedissem...

A maior parte da vida deixamos a Vida passar sem senti-la no coração...

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Vivendo como as flores!

- Mestre, como faço para não me aborrecer?
Algumas pessoas falam demais, outras são ignorantes. Algumas são indiferentes.
Sinto ódio das que são mentirosas. Sofro com as que caluniam.

- Pois viva como as flores! - advertiu o Mestre.

- Como é viver como as flores? Perguntou o discípulo.

- Repare nestas flores, continuou o Mestre, apontando lírios que cresciam no jardim.
Elas nascem no esterco, entretanto são puras e perfumadas.
Extraem do adubo malcheiroso tudo que lhes é útil e saudável, mas não permitem que o azedume da terra manche o frescor de suas pétalas.

- É justo angustiar-se com as próprias culpas, mas não é sábio permitir que os vícios dos outros o importunem. Os defeitos deles são deles e não seus. Se não são seus, não há razão para aborrecimento. Exercite, pois, a virtude de rejeitar todo mal que vem de fora.
Isso é viver como as flores!

terça-feira, 14 de junho de 2011

Deus

Por todos estes tempos, os sacerdotes vos têm falado de Deus.
E as suas palavras não foram além dos vossos ouvidos; e apenas o medo as gravou em vossa memória.

Assim, se algo eu vos quiser ensinar, devo falar-vos ao coração.


E como falar-vos de Deus.

Poderia eu tentar definir o Indefinível?

Se o tentasse, eis que a minha presunção seria maior que a minha ignorância; e é sabido que as duas andam sempre de mãos dadas.

Existe, acaso, algo mais difícil de explicar do que o que se sente?


Se não encontrais Deus dentro de vós, como farei para que O possais descobrir dentro de mim?

Ouvis, apenas, as minhas palavras.

E não vos posso mostrar o meu coração, por mais que o desnude ante vós.


Mas eu vos peço: fechai, por um momento, os vossos ouvidos para os ruídos do mundo, com os quais vos ensurdeceis.

Para que possais ouvir o vosso coração bater.

Pois aí descobrireis Deus: no som da vida.

Se, entretanto, cessarem as suas batidas, também aí estará Deus: no silêncio da morte.


Porque, na verdade, Deus está em toda parte.

E quando vos lançais à sua procura, apenas vos estais afastando da Sua consciência, que existe em vosso íntimo.


Pois querei ver Deus; e pretendeis tocá-Lo.

Podeis, acaso, tocar o vosso amor ou a vossa saudade?

E, entretanto, não os sentis vivos em vós?


Para que possais não entender o Pai, ocultais a Sua verdadeira face.

E O procurais no céu, no alto das montanhas, no fundo dos mares;
E reclamais provas da Sua existência; e pretendeis ver a multiplicação dos pães e a transformação do vinho.

E não vedes os milagres que ocorrem ao vosso redor:
o botão que se transforma em flor, o ventre onde se renova a vida, o equilíbrio dos astros, o fluxo incessante das marés.

Assim, criais um deus à vossa semelhança.

E clamais, em altas vozes, que Deus vos abandonou; que vos entregou aos revezes da vida.
Quando, na verdade, os vossos sofrimentos são os instrumentos da Sua lembrança; e em todos eles podeis descobrir o Seu amparo.


Eu vos aconselho: deixai de procurar Deus.

Cuidai, antes, de cultivar os vossos sentimentos.

Amai aos vossos filhos, às vossas mulheres, aos vossos pais e amigos.

Aprendei, com o tempo, a amar aos que agora vos são indiferentes e, mais tarde, aos vossos inimigos.


Deixai que as flores, a poesia, a música e tudo aquilo que fala ao verdadeiro Eu vos emocione. Ao vos banhardes, recebei o contato da água como uma carícia; e ao vos deitardes, percebei como o vosso corpo recebe alegremente o repouso.


Vede a natureza não como algo que vos pertence e do qual podeis dispor, mas como o cenário da vossa vida; algo que vos foi dado como prova de amor, e ao qual deveis dedicar o mesmo amor.


Despertai para o sopro do vento, a luz do luar, o calor do sol e a dádiva da chuva.
Buscai a paz dentro de vós, para que possais distribuí-la entre aqueles que vos cercam.


Pois é assim que abrireis os olhos e ouvidos da vossa alma, e podereis encontrar Deus que vem ao vosso encontro todos os dias.

Gibran Kallil Gibran

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A Arte de Servir

Toda a natureza é um serviço.
Serve a nuvem, serve o vento, serve a chuva.
Onde haja uma árvore para plantar, planta-a tu;
Onde haja um erro para corrigir, corrige-o tu;
Onde haja um trabalho e todos se esquivam, aceita-o tu.
Sê o que remove a pedra do caminho, o ódio entre os corações e as dificuldades do problema.
Há a alegria de ser puro e a de ser justo;
Mas há sobretudo, a maravilhosa, a imensa alegria de servir.

Que triste seria o mundo se tudo se encontrasse feito.
Se não existisse uma roseira para plantar, uma obra para iniciar!
Não te chamem unicamente os trabalhos fáceis.
É muito mais belo fazer aquilo que os outros recusam.
Mas não caias no erro de que somente há méritos nos grandes trabalhos;
Há pequenos serviços que são bons serviços; adornar uma mesa, fazer uma bandeja, arrumar os livros, pentear uma criança.
Aquele é o que critica; este é o que destrói; sê tu o que serve.

O servir não é faina de seres inferiores. Deus que dá os frutos e a luz, serve. Seu nome é: "Aquele que Serve".
Ele tem os olhos fixos em nossas mãos e nos pergunta cada dia:

A quem serviste hoje?
À árvore? A teu irmão? À tua mãe?
Gabriela Mistral

domingo, 29 de maio de 2011

A Nível de Complicabilização

Não, por favor, nem tente me disponibilizar alguma coisa, que eu não quero.

Não aceito nada que pessoas, empresas ou organizações me disponibilizem. É uma questão de princípios. Se você me oferecer, me der, me vender, me emprestar, talvez eu venha a topar. Até mesmo se você tornar disponível, quem sabe, eu aceite. Mas, se você insistir em disponibilizar, nada feito.

Caso você esteja contando comigo para operacionalizar algo, vou dizendo desde já: pode tirar seu cavalinho da chuva. Eu não operacionalizo nada para ninguém. Tampouco compactuo com quem operacionalize. Se você quiser, eu monto, eu realizo, eu aplico, eu ponho em operação. Se você pedir com jeitinho, eu até implemento. Mas, operacionalizar, jamais. O quê? Você quer que eu agilize isso para você? Lamento, mas eu não sei agilizar nada. Nunca agilizei. Está lá no meu currículo: faço tudo, menos agilizar. Precisando, eu apresso, eu priorizo, eu ponho na frente, eu dou um gás. Mas agilizar - desculpe, não posso, acho que matei essa aula.

Outro dia mesmo queriam reinicializar meu computador. Só por cima do meu cadáver virtual! Prefiro comprar um computador novo a reinicializar o antigo. Até porque eu desconfio que o problema não seja assim tão grave. Em vez de reinicializar, talvez seja o caso de simplesmente reiniciar, e pronto.

Por falar nisso, é bom que você saiba que eu parei de utilizar. Assim, sem mais nem menos. Eu sei, é uma atitude um tanto quanto radical da minha parte, mas eu não utilizo mais nada. Tenho consciência de que a cada dia que passa mais e mais pessoas estão utilizando, mas eu parei. Não utilizo mais. Agora eu só uso. E recomendo. Se você soubesse como é muito mais elegante, também deixaria de utilizar e passaria a usar.

Sim, estou me associando à campanha nacional contra os verbos que acabam em "ilizar". Se nada for feito, daqui a pouco eles serão mais numerosos do que os terminados simplesmente em "ar". Todos os dias os maus tradutores de livros de marketing e administração disponibilizam mais e mais termos infelizes, que imediatamente são operacionalizados pela mídia, reinicializando palavras que já existiam e eram perfeitamente claras e eufônicas. A doença está tão disseminada que muitos verbos honestos, com currículo de ótimos serviços prestados, estão a ponto de cair em desgraça entre pessoas de ouvidos sensíveis.

Depois que você fica alérgico a disponibilizar, como você vai admitir, digamos, "viabilizar"? É triste demorar tanto tempo para a gente se dar conta de que "desincompatibilizar" sempre foi um palavrão. Precisamos reparabilizar nessas palavras que o pessoal inventabiliza só para complicabilizar. Caso contrário, daqui a pouco nossos filhos vão pensabilizar que o certo é ficar se expressabilizando dessa maneira. Já posso até ouvir as reclamações: "Você não vai me impedibilizar de falabilizar do jeito que eu bem quilibiliser".

Problema seu. Me inclua fora dessa.
Ricardo Freire

terça-feira, 3 de maio de 2011

Deus



Nos antigos dias, quando a primeira palpitação da linguagem chegou aos meus lábios, subi a sagrada montanha e falei a Deus, dizendo: "Senhor sou Teu Escravo. Teu desejo oculto é minha lei, e obedecer-Te-ei para sempre".

Mas Deus não respondeu e, como uma poderosa tempestade, seguiu adiante.

E depois de mil anos, subi a sagrada montanha e novamente falei a Deus, dizendo: "Criador, sou Tua criação. Da argila me fizeste e a Ti devo tudo o que sou."

E Deus não respondeu mas, como um milhar de asas ligeiras, seguiu adiante.

E depois de outros mil anos, subi a sagrada montanha e falei a Deus, novamente, dizendo: "Pai, sou Teu Filho. Com piedade e amor deste-me nascimento, e mediante amor e adoração herdarei Teu reino".

E Deus não respondeu e, como uma neblina que encobre os montes ao longe, seguiu adiante.

E depois de outros mil anos, subi a sagrada montanha e novamente falei a Deus, dizendo: "Meu Deus, minha meta e minha completação, sou Teu ontem e Tu és meu amanhã. Sou Tua raiz na terra e Tu és minha flor no céu; e juntos crescemos ante a face do sol".

Então, Deus curvou-se sobre mim e sussurrou palavras doces ao meu ouvido, e, tal como o mar envolve um arroio que corre para ele, assim Ele me envolveu. E quando desci aos vales e às planícies, Deus estava também lá.
[Gibran Kahlil Gibran ]

sábado, 2 de abril de 2011

O juiz e o papagaio



A opulenta cidade de Cabul vivia, nesse tempo, agitada por estranho boato. Diziam alguns, afirmavam muitos, que o integro e prestigioso juiz Fauzi Trevic, antes de sair para o exercício de suas altas funções do tribunal, ouvia os conselhos de um papagaio.

Havia até quem soubesse particularidades sobre o caso. O papagaio fora trazido das montanhas por um feiticeiro famoso e vivia encerrado em rico aposento, longe das vistas e dos ouvidos curiosos. Os mais ousados garantiam que se tratava de uma ave encantada, que trazia no corpo o espírito de um gênio - um djim, talvez.  O maravilhoso papagaio conhecia jurisprudência e ditava leis com a eloqüência e a sabedoria dos grandes ulemás.  Não havia, aliás, outra explicação para aquele mistério, pois o juiz Trevic proferia sentenças notáveis, fundamentadas sempre com grande elevação, e elogiados pelos advogados mais exigentes e intolerantes.

O caso chegou, afinal, ao conhecimento do rei Nassin bem Nassin. - "Mac Allah"! - estranhou o soberano persa. – É assombroso! Quem poderia acreditar que houvesse no Islã um papagaio capaz de orientar as longas sentenças de um sábio juiz? Resolvido a esclarecer de qualquer modo o enigma, o poderoso rei mandou vir à sua presença o doutíssimo Fauzi Trevic e interrogou-o. Seria verdadeira aquela voz que corria pela cidade, abalando os incrédulos e enchendo de infinito assombro, os simples e os ingênuos? 

- Sim, ó Rei Magnânimo!, é verdadeira a voz - confirmou o ilustre cádi. - Não devo ocultar a verdade. Todos os dias, antes de seguir para o tribunal; ouço os conselhos de um modesto papagaio! Juro, pelas barbas de Maomé, que é essa a expressão da verdade!

Exaltado seja Allah!, o Único! - exclamou o monarca. - Não creio que possa existir, sob o céu ou sobre a terra maravilha maior do que essa que acabais de revelar!

- Vejo-me forçado a dizer-vos, ó Rei do Tempo! - prosseguiu o juiz - que o papagaio, meu amigo e conselheiro, só sabe pronunciar duas palavras. Com esse limitadíssimo vocabulário, consegue ele orientar com segurança e clareza todas as minhas sentenças.

- Com duas palavras! Que palavras mágicas serão essas que servem como dois faróis no meio do oceano das leis? Respondeu o digno magistrado:

- Bondade e Justiça! Justiça e Bondade! Eis as palavras que ouço todos os dias do meu fiel papagaio! Procuro tê-las sempre bem vivas no fundo do coração! Quando estudo as causas sobre as quais sou obrigado a votar e decidir, esforço-me por ser bom e procuro ser justo. A justiça que corrige ou castiga deve ser inspirada pela Bondade que nobilita e eleva. E ainda: a Bondade, que exalta o fraco, não pode prescindir da Justiça, que reabilita o forte. Confesso, pois, que todas as minhas sentenças são norteadas pelo admirável conselho do papagaio. Bondade e Justiça!

- Por Allah, senhor dos mundos visíveis e invisíveis! – Disse o rei. - Por Allah! Seguissem todos os reis, ministros e magistrados o conselho daquele papagaio e a felicidade desceria sobre os povos e a paz reinaria entre as nações! Uassalã!
Malba Tahan

segunda-feira, 21 de março de 2011

Foi a Abadessa


Ninguém sabe como foi mas todos concordam que foi a abadessa. 
O preboste mandou instaurar um inquérito e o condestável ordenou que os arautos percorressem os caminhos anunciando que fora a abadessa. 
E o povo tremeu, ouvindo que fora a abadessa. 
Grandes flagelos, grandes angústias e penas desabariam sobre a cabeça do rei e do povo. Nada se podia fazer: a abadessa já havia feito. 
O arcipreste suspeitou do outro lado da notícia e baixou a bula cobrindo de opróbrio os verdugos que levassem a abadessa ao catafalco. 
Mas o esmoler-mor contestou o condestável e exigiu que em nome da fé e do rei a verdade fosse feita. Contestado, o condestável mobilizou seus arqueiros e concitou o capelão a distribuir pão aos filhos do povo e aos camponeses famintos que se levantaram contra a abadessa e contra a coisa que ela havia feito. 
Mais complicada ficou a situação quando o preboste envenenou o arcediago e o arcipreste caiu fulminado quando soube que a abadessa fugira em cima de um corcel de crinas ao vento. 
Os camponeses então resolveram voltar para suas terras, pois não valia a pena matar ou morrer por causa da coisa que a abadessa tinha ou não tinha feito. 
Ante a iminência do saque às cidades, o esmoler-mor ordenou que se queimassem as feiticeiras e numa só noite foram devoradas pelo fogo nada menos de 567 feiticeiras de diversos e criminosos feitios e malefícios.
Os arautos percorreram novamente as cidades famintas e os campos devastados distribuindo hinos de louvor ao rei e à paz que voltava ao reino depois que a abadessa fizera a coisa. 
E estavam as coisas nesse pé – inclusive a coisa que a abadessa havia feito – quando, alta noite, surgiu no palácio, vinda dos campos, a assombrosa notícia de que não fora a abadessa que fizera a coisa pois coisa nenhuma havia sido feita. 
Reza a lenda que a abadessa, depois de muito cavalgar no seu corcel de crinas ao vento, em sabendo que não havia feito a coisa, resolveu fazê-la.
Carlos Heitor Cony

quinta-feira, 17 de março de 2011

Por fora de Xanás



Todo dito popular funciona e ficaria o dito pelo não dito se os ditos ditos não funcionassem, dito o que, acrescento que há um dito que não funciona ou, melhor dito, é um dito que funciona em parte uma vez que, no setor da ignorância, o dito falha, talvez para confirmar outro velho dito, o do: não-há-regra-sem-exceção. Digo melhor, o dito:
mal-de-muitos-consolo-é, encerra muita verdade, mas falha quando notamos que ignorância é o que não falta pela aí e, no entanto, ninguém gosta de confessar sua ignorância. Logo, pelo menos aí, o dito dito falha.

Tenho experiência pessoal quanto à má-vontade do próximo para com a própria ignorância, má-vontade esta confirmada diversas vezes em poucos minutos, graças a uma historinha vivida ao lado do escritor Álvaro Moreira, num dia em que fomos almoçar juntos, na cidade. Já não me lembro qual o motivo do almoço. Lembro-me, isto sim, que íamos caminhando, quando Alvinho disse, em voz alta:

— Leônio Xanás.

— O quê? — perguntei, e Alvinho explicou que Leônio Xanás era o nome do pintor que estava pintando seu apartamento. Até me mostrou um cartãozinho, escrito "Leônio Xanás 

— Pinturas em Geral — Peça Orçamento".

— Hoje acordei com o nome dele na cabeça. A toda hora digo Leônio Xanás — contava o escritor. — Ainda agorinha, ao entrar no lotação, disse alto "Leônio Xanás" e levei um susto, quando o motorista respondeu: "Passa perto". Ele pensou que eu estava perguntando por determinada rua e foi logo dizendo que passa perto, sem, ao menos, saber que rua era.

Foi aí que nos nasceu a vontade de experimentar a sinceridade do próximo e nos nasceu a certeza de que ninguém gosta de confessar-se ignorante mesmo em relação às coisas mais corriqueiras. Entramos numa farmácia para comprar Alka-Seltzer (pretendíamos tomar vinho no almoço) e Alvinho experimentou de novo, perguntando ao farmacêutico:

— Tem Leônio Xanás?

— Estamos em falta — foi a resposta.
Saímos da farmácia e fomos ao prédio onde tem escritório o editor do Alvinho. No elevador, nova experiência. Desta vez quem perguntou fui eu, dirigindo-me ao cabineiro do elevador:

— Em que andar é o consultório do Dr. Leônio Xanás?

— Ele é médico de quê?

— Das vias urinárias — apressou-se a mentir o amigo, ante a minha titubeada.

Então é no sexto andar — garantiu o cara do elevador, sem o menor remorso. E se não tivéssemos saltado no quarto andar por conta própria, teria nos deixado no sexto a procurar um consultório que não existe.

E assim foi a coisa. Ninguém foi capaz de dizer que não conhecia nenhum Leônio Xanás ou que não sabia o que era Leônio Xanás. Nem mesmo a gerente de uma loja de roupas, que — geralmente — são senhoras de comprovada gentileza. Entramos num elegante magazine do centro da cidade para comprar um lenço de seda para presente. Vimos vários todos bacanérrimos, mas — para continuar a pesquisa — indagamos da vendedora:

— Não tem nenhum da marca Leônio Xanás?

A mocinha pediu que esperássemos um momento, foi até lá dentro e voltou com a prestativa senhora gerente. Esta sorriu e quis saber qual era mesmo a marca:

— Leônio Xanás — repeti, com esta impressionante cara-de-pau que Deus me deu.

Madame voltou a sorrir e respondeu: — Tínhamos, sim, senhor. Mas acabou. Estamos esperando nova remessa.

Foi uma pena não ter. Compramos de outra marca qualquer e fomos almoçar. Foi um almoço simpático com o velho amigo. Lembro-me que, na hora do vinho, quando o garçom trouxe a carta, Alvinho deu uma olhadela e disse, em tom resoluto:

— Queremos uma garrafa de Leônio Xanás tinto.

O garçom fez uma mesura: — O senhor vai me perdoar, doutor. Mas eu não aconselho esse vinho.
Devia ser uma questão de safra, daí aconselhar outro: — O Ferreirinha não serve?
Servia.

É irmãos, mal de muitos consolo é, mas ignorante que existe às pampas, ninguém quer ser.
Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)