Todo dito popular funciona e ficaria o dito pelo não dito se os ditos ditos não funcionassem, dito o que, acrescento que há um dito que não funciona ou, melhor dito, é um dito que funciona em parte uma vez que, no setor da ignorância, o dito falha, talvez para confirmar outro velho dito, o do: não-há-regra-sem-exceção. Digo melhor, o dito:
mal-de-muitos-consolo-é, encerra muita verdade, mas falha quando
notamos que ignorância é o que não falta pela aí e, no entanto, ninguém gosta
de confessar sua ignorância. Logo, pelo menos aí, o dito dito falha.
Tenho experiência pessoal quanto à má-vontade do próximo para com a
própria ignorância, má-vontade esta confirmada diversas vezes em poucos
minutos, graças a uma historinha vivida ao lado do escritor Álvaro Moreira, num
dia em que fomos almoçar juntos, na cidade. Já não me lembro qual o motivo do almoço. Lembro-me, isto sim, que íamos
caminhando, quando Alvinho disse, em voz alta:
— Leônio Xanás.
— O quê? — perguntei, e Alvinho explicou que Leônio Xanás era o nome do
pintor que estava pintando seu apartamento. Até me mostrou um cartãozinho,
escrito "Leônio Xanás
— Pinturas em Geral — Peça Orçamento".
— Hoje acordei com o nome dele na cabeça. A toda hora digo Leônio Xanás
— contava o escritor. — Ainda agorinha, ao entrar no lotação, disse alto
"Leônio Xanás" e levei um susto, quando o motorista respondeu:
"Passa perto". Ele pensou que eu estava perguntando por determinada
rua e foi logo dizendo que passa perto, sem, ao menos, saber que rua era.
Foi aí que nos nasceu a vontade de experimentar a sinceridade do próximo
e nos nasceu a certeza de que ninguém gosta de confessar-se ignorante mesmo em
relação às coisas mais corriqueiras. Entramos numa farmácia para comprar
Alka-Seltzer (pretendíamos tomar vinho no almoço) e Alvinho experimentou de
novo, perguntando ao farmacêutico:
— Tem Leônio Xanás?
— Estamos em falta — foi a resposta.
Saímos da farmácia e fomos ao prédio onde tem escritório o editor do
Alvinho. No elevador, nova experiência. Desta vez quem perguntou fui eu,
dirigindo-me ao cabineiro do elevador:
— Em que andar é o consultório do Dr. Leônio Xanás?
— Ele é médico de quê?
— Das vias urinárias — apressou-se a mentir o amigo, ante a minha
titubeada.
Então é no sexto andar — garantiu o cara do elevador, sem o menor
remorso. E se não tivéssemos saltado no quarto andar por conta própria, teria
nos deixado no sexto a procurar um consultório que não existe.
E assim foi a coisa. Ninguém foi capaz de dizer que não conhecia nenhum
Leônio Xanás ou que não sabia o que era Leônio Xanás. Nem mesmo a gerente de
uma loja de roupas, que — geralmente — são senhoras de comprovada gentileza.
Entramos num elegante magazine do centro da cidade para comprar um lenço de
seda para presente. Vimos vários todos bacanérrimos, mas — para continuar a
pesquisa — indagamos da vendedora:
— Não tem nenhum da marca Leônio Xanás?
A mocinha pediu que esperássemos um momento, foi até lá dentro e voltou
com a prestativa senhora gerente. Esta sorriu e quis saber qual era mesmo a
marca:
— Leônio Xanás — repeti, com esta impressionante cara-de-pau que Deus me
deu.
Madame voltou a sorrir e respondeu: — Tínhamos, sim, senhor. Mas acabou.
Estamos esperando nova remessa.
Foi uma pena não ter. Compramos de outra marca qualquer e fomos almoçar.
Foi um almoço simpático com o velho amigo. Lembro-me que, na hora do vinho,
quando o garçom trouxe a carta, Alvinho deu uma olhadela e disse, em tom
resoluto:
— Queremos uma garrafa de Leônio Xanás tinto.
O garçom fez uma mesura: — O senhor vai me perdoar, doutor. Mas eu não
aconselho esse vinho.
Devia ser uma questão de safra, daí aconselhar outro: — O Ferreirinha
não serve?
Servia.
É irmãos, mal de muitos consolo é, mas
ignorante que existe às pampas, ninguém quer ser.
Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)
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